A mesquita de Parade Lane, situada em uma área militar de Rawalpindi, estava lotada de muçulmanos para as tradicionais Salaat-ul-Jumma, como são chamadas as orações coletivas do meio-dia de sexta-feira. Entre os cerca de 300 peregrinos, pelo menos um homem estava determinado a matar. De pé, na primeira fila, ele começou a atirar a esmo e lançou uma granada quando a multidão começava a se dirigir aos portões, ao fim do ritual. Segundo a rede de TV Al-Jazira, sete extremistas armados com rifles de assalto e granadas de mão também entraram no local. Uma granada foi lançada no lado das mulheres e duas caíram na ala masculina. Dois dos terroristas se explodiram no meio do povo. Pelo menos 40 pessoas morreram - incluindo 17 crianças, 10 civis e nove militares - e 75 ficaram feridas.
No momento da carnificina, às 13h30 (6h30 em Brasília) de ontem, o paquistanês Hussain Ahmed passava diante da mesquita, quando voltava da Universidade Federal Urdu de Ciência e Tecnologia. O estudante do sétimo semestre de engenharia elétrica descreveu ao Correio o que viu. "Parecia o fim do mundo. Ouvi disparos altos e depois uma grande explosão. Depois de alguns minutos, havia partes de corpos, sangue e choro por todos os lados", contou, por telefone, com a ajuda de um colega que fez a tradução do idioma urdu para o inglês.
O empresário Ad (ele não quis se identificar) buscava mais uma bolsa de sangue para a mulher, que deu à luz o segundo filho terça-feira passada, no Instituto de Transfusão de Sangue das Forças Armadas. Atrasado, tentou voltar ao escritório, a apenas 200m da mesquita. "Escutei a primeira explosão; depois, uma segunda e uma terceira simultaneamente. Então, vi os guardas do Exército correndo em direção à mesquita e todos os portões foram fechados imediatamente", relatou à reportagem. "Foi tudo tão rápido que demorei a perceber o que estava acontecendo", acrescentou.
O paquistanês de 34 anos mescla alegria com tristeza. Cerca de quatro horas depois do atentado, ele soube que o filho de um primo estava entre os mortos. "O garoto tinha apenas 10 anos e rezava com o pai, que sofreu ferimentos. Minha família e toda Rawalpindi estão tristes. Ninguém imaginava que algo assim pudesse ocorrer", disse. De acordo com Ad, a mesquita de Parade Lane se situa numa área que concentra residências de generais. "Não consigo entender como esses terroristas entraram lá. Dois carros foram encontrados aqui com dois cinturões-bomba e 26 granadas", comentou. No início da noite, o Exército realizou uma caçada humana aos terroristas e helicópteros sobrevoavam a região. Segundo um porta-voz do Exército, quatro extremistas foram mortos na troca de tiros com as forças de segurança.
Analistas
O atentado em Rawalpindi teve um objetivo claro: desmoralizar as Forças Armadas do Paquistão. A opinião é partilhada pelos paquistaneses Hasan-Askari Rizvi, analista militar independente de Lahore, e Imtiaz Gul, autor de A conexão Al-Qaeda - o Talibã e o terror em áreas tribais. "Havia um grande número de funcionários militares na mesquista. O pessoal do Exército tornou-se alvo por causa das operações no Waziristão do Sul. Dois altos oficiais, incluindo um major general, foram mortos no ataque", explicou Rizvi, por e-mail.
Ele lembrou que vários militantes islâmicos têm migrado do Waziristão do Sul para outras áreas, com a intenção de alvejar civis. "O incidente em Rawalpindi mostra que os terroristas ainda estão à solta e podem atacar quando tiverem uma oportunidade. No entanto, sua força diminuiu, já que o ataque foi menos organizado", disse Rizvi. Imtiaz Gul não vê conexão com o recente discurso do presidente norte-americano, Barack Obama, sobre a nova estratégia para o Afeganistão e o Paquistão. "Isso é parte de uma campanha para desestabilizar meu país e causar danos ao Exército", concluiu.
Reforço no Afeganistão
Em resposta ao pedido dos Estados Unidos pela presença de mais tropas aliadas no Afeganistão, o secretário-geral da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), Anders Fogh Rasmussen, anunciou, ontem, o envio adicional de 7 mil homens que ajudarão a combater insurgência talibã em 2010. Depois de uma reunião dos 28 chefes da diplomacia da Otan, em Bruxelas, Rasmussen confirmou que pelo menos 25 dos 43 países que integram a Força Internacional de Assistência à Segurança (Isaf) contribuirão com o reforço. Em 1º de dezembro, o presidente dos EUA, Barack Obama, havia anunciado a mobilização de mais 30 mil soldados.
Detalhes importantes ficaram de fora da declaração do dinamarquês: quais países farão parte do reforço e quando seus soldados desembarcarão no campo de batalha. Dos 7 mil militares, 2,5 mil já estão no Afeganistão desde agosto. Na quinta-feira, a Itália anunciou o envio de mil homens. O Reino Unido prometeu 500 e a Polônia estuda mandar pelo menos 600 soldados. Alguns países, entre eles Alemanha e França, só devem firmar compromissos após a conferência internacional sobre o Afeganistão, marcada para janeiro, em Londres. As duas potências europeias são importantes parceiras dos americanos e têm, respectivamente, de 4.200 e 3.750 soldados no país asiático.
Rasmussen sustenta que a remessa de mais 37 mil homens terá "um efeito poderoso no território" e que o Afeganistão não voltará a ser liderado por "terroristas e extremistas". Ele classificou a ação conjunta como a "solidariedade em ação". Atualmente, a Otan tem 40 mil homens no país. Os EUA respondem por 68 mil. As tropas extras, juntas, contabilizarão 145 mil militares.
União
Após participar da reunião, a secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, ressaltou a importância da união para o sucesso da empreitada. "É nosso combate e devemos terminá-lo juntos", disse. Ela reassegurou que a retirada das tropas americanas, em 2011, será realizada "de forma responsável e de acordo com as circunstâncias do terreno". Neste sentido, justificou a decisão de Obama de iniciar a retirada das tropas em apenas 18 meses, muito questionada nos EUA e motivo de perplexidade na Europa e no Afeganistão. "Queremos destacar que nossa presença no combate não será permanente e transmitir um sentimento de urgência aos afegãos, para que façam eles mesmos o que sabemos que sabem fazer", explicou. No entanto, Hillary destacou que o ritmo e a amplitude da redução de tropas serão determinados pela situação no campo de batalha.
Eu acho...
"Os grupos militantes islâmicos, especialismente o Tehrik-i-Taliban Pakistan, foram desalojados do Waziristão do Sul. Eles estão engajados em operações de vingança, além de tentarem desmoralizar a população, levando-a a perder a confiança no governo, por seu fracasso em proteger os cidadãos. No entanto, à exceção de grupos islâmicos, a grande maioria da população tem se voltado contra o Talibã. O apoio às operações do Exército tem aumentado. Espera-se que os militantes atormentem o povo com ataques desse tipo no futuro. Com o passar do tempo, esses atentados vão diminuir de intensidade."
Hasan-Askari Rizvi, estrategista militar baseado em Lahore
"O motivo principal dos ataques em Rawalpindi foi, é óbvio, desmoralizar as Forças Armadas. A maior parte dos peregrinos que vão à mesquita de Parade Lane é composta de oficiais da reserva ou da ativa. Muitos deles, incluindo o ex-vice-chefe do Estado-Maior Mohammed Yusuf e um major-general da ativa morreram no atentado. Isso deixa bem claro que as forças de segurança eram o alvo dos extremistas. O Paquistão exibe nova determinação para lutar contra grupos inspirados na Al-Qaeda, mas também contra facções financiadas por atores externos para criar instabilidade e incerteza."
Imtiaz Gul, analista e escritor baseado em Islamabad