As posições divergentes de Estados Unidos e Brasil sobre a resolução do conflito e as eleições em Honduras expuseram de forma mais explícita a dificuldade de Washington em manter proximidade não só com o maior país latino-americano, mas com toda a região. Em sua edição de ontem, o The Wall Street Journal, um dos mais influentes dos EUA, evidenciou a resistência do continente a aceitar que o país permaneça como ator dominante nas Américas, mais ainda tendo como contrapeso o Brasil, a China e o bloco antiamericano liderado por Hugo Chávez. O jornal chega a afirmar que o presidente Barack Obama, que diante de todo o mundo exaltou o colega Luiz Inácio Lula da Silva - "este é o cara", disse numa reunião internacional -, estaria decepcionado com a política externa brasileira.
"A emergência do Brasil como potência hemisférica mostra-se um desafio e - em termos de política externa - um desapontamento para Obama, que, como George W. Bush, desenvolveu uma relação próxima com o carismático presidente Luiz Inácio Lula da Silva", afirma o Wall Street Journal. O periódico destaca que as posições discrepantes sobre Honduras são a "mais nova pedra no sapato" nas relações de Washington com a região, e lembra que o Brasil foi um dos países que questionaram a presença de tropas americanas em bases militares da Colômbia. Ainda afirma que Washington "não se mostrou contente" com a visita do presidente iraniano, Mahmud Ahmadinejad, ao Brasil.
Especialistas ouvidos pelo Correio contestam uma possível "decepção" ou mesmo uma "surpresa" do governo Obama com a diplomacia de Lula, apesar das divergências. "Eu vejo na ascensão do Brasil como potência regional um bem, mais do que uma ameaça à influência norte-americana. Não vejo como a influência de Lula (1) seria uma decepção para Obama, exceto no caso de Honduras, que provavelmente será resolvido em breve%u201D, afirma Anthony Knopp, professor da Universidade do Texas.
Para a especialista do Council on Foreign Relations (CFR) Shannon O%u2019Neil, é pouco provável que o governo Obama esteja frustrado com as posições brasileiras. "O que há é a percepção de que a independência diplomática do Brasil pode apresentar desafios quando os dois países diferirem em suas posições", diz. Segundo ela, é preciso que Obama defina logo sua relação com o Brasil, uma decisão que foi postergada, "em parte porque o Senado segurou a confirmação do Tom Shannon como embaixador para o Brasil, em parte por causa de outros problemas prementes os EUA estão enfrentando - tanto em casa como no exterior".
Quintal
O Wall Street Journal afirma que não só ascensão do Brasil como uma potência regional ajudou a reduzir o peso dos Estados Unidos na América Latina, "antes considerada o seu quintal". "Também devem ser consideradas a influência da união de nações antiamericanas lideradas pela Venezuela, rica em petróleo, e a crescente musculatura da China, que vê os recursos latino-americanos como fundamentais para seu próprio crescimento econômico", diz o jornal. O especialista Ray Walser, da Fundação Heritage, concorda. "A liderança dos EUA no continente está sendo desafiada como nunca. O governo Obama tem procurado meios de avançar, mas está muito envolvido em outras partes do mundo".
1 - Visita a Mujica
O presidente eleito do Uruguai, o ex-guerrilheiro esquerdista José Mujica, se reunirá na próxima terça-feira com Lula, que estará em Montevidéu para a cúpula do Mercosul. Durante a campanha e depois de proclamado vencedor da eleição de domingo, Mujica foi enfático ao apontar o presidente brasileiro como seu "modelo", pelo perfil de negociador.
Lobo pede "razão"
O vencedor da eleição presidencial de domingo em Honduras, o conservador Porfírio Lobo, se disse ontem convencido de que o governo brasileiro "voltará à razão" e terminará por reconhecer a legitimidade de seu mandato, como um dado da "realidade". Falando ao jornal chileno La Tercera, Lobo respondeu indiretamente ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que na véspera havia respondido "peremptoriamente não" a uma pergunta sobre a possibilidade de dar aval à votação conduzida pelo governo de fato instalado após a deposição de Manuel Zelaya - cuja recondução ao poder continua a ser exigida pelo Brasil.
"É lógico que (o Brasil) tenha uma atitude reticente, já que sua posição foi contrária ao pleito, mas voltará à razão na medida em que se dê conta da realidade", analisou o vencedor. "A realidade é que as eleições reforçam nossa democracia", prosseguiu. No dia em que foi proclamado o resultado, Lobo já havia afirmado sua disposição de "bater à porta" de Lula para estabelecer o diálogo com o governo brasileiro, que lidera na Organização dos Estados Americanos (OEA) o bloco, até aqui majoritário, dos países que fecham questão em não reconhecer a autoridade do presidente de fato, Roberto Micheletti, para realizar um processo eleitoral. "Não dá para fazer concessão a golpista", disse o presidente brasileiro à imprensa, na terça-feira, antes de deixar a Cúpula Ibero-Americana, realizada em Portugal, com destino à Ucrânia.
Lobo foi diplomático com Lula, mas subiu o tom ao comentar a rejeição a seu mandato por parte do presidente venezuelano, Hugo Chávez, e o bloco aglutinado na Aliança Bolivariana para as Américas (Alba). "Ele que não intervenha em Honduras, porque não vamos permitir", advertiu. Chávez é apontado como mentor de Zelaya em sua manobra para tentar reformar a Constituição e disputar um segundo mandato. "Temos zelo pela nossa soberania e, assim como não interferimos em outros países, não queremos que outros interfiram no que acontece em Honduras".
Congresso
Os 128 deputados hondurenhos reuniram-se ontem no início da tarde para examinar a recondução de Zelaya ao poder, nos termos do acordo político avalizado pelo presidente da Costa Rica, Óscar Arias. O texto propõe o retorno à ordem constitucional prévia à deposição do presidente, em 28 de junho, mas não condiciona a isso a realização de eleições. Os deputados têm de tomar a decisão por maioria absoluta. Antes do Legislativo, a Corte Suprema de Justiça deu parecer negativo sobre a volta do presidente. O Judiciário acusa Zelaya de violar a Constituição e pretende levá-lo a julgamento.