LONDRES - A comissão de investigação sobre o polêmico papel da Grã-Bretanha na guerra do Iraque iniciou nesta terça-feira (24/11) suas audiências públicas, mais de seis anos depois do início do conflito.
O presidente da comissão, Sir John Chilcot, anunciou no discurso de abertura que os cinco membros da mesma não evitarão as críticas quando estas se justificarem ao fim da análise das circunstâncias que levaram à decisão britânica de apoiar os Estados Unidos na invasão do Iraque, e na posterior campanha neste país.
Três altos funcionários do ministério das Relações Exteriores e do ministério da Defesa serão os primeiros a falar na série inicial de audiências, que prosseguirá até fevereiro de 2010 e chegará ao fim com o depoimento do ex-premier Tony Blair.
Comandantes militares, diplomatas, ministros e altos funcionários serão chamados a depor perante o comitê de cinco membros que coordena a investigação, com o objetivo declarado de tirar algumas lições desta polêmica guerra.
O testemunho mais esperado, no entanto, será o de Tony Blair, ex-primeiro-ministro britânico aliado incondicional de George W. Bush e que enviou 45.000 militares britânicos a esse conflito. Essa decisão fez com que ele batesse recordes de impopularidade e foi um dos principais fatores que o levou a abandonar a chefatura do governo em 2007. Mais recentemente, também contribuiu para acabar com suas esperanças de virar o primeiro presidente permanente da União Europeia.
O presidente do comitê de inquérito, o ex-funcionário público John Chilcot, disse nesta segunda-feira que está confiante na obtenção de um relatório "completo e esclarecedor" sobre o processo decisório que levou o Reino Unido a se envolver no conflito. "Nossa meta não é apenas fazer um trabalho meticuloso, mas sim um trabalho que seja franco e que passe pelo crivo público", indicou Chilcot. "Todos os cinco membros do comitê estão agora completamente independentes", acrescentou.
John Scarlett, ex-diretor do serviço de inteligência exterior britânico, o célebre MI6, e os então embaixadores britânicos nos Estados Unidos, Christopher Meyer, e nas Nações Unidas, Jeremy Greenstock, estão entre os primeiros convocados a depor. Scarlett era diretor do principal comitê de inteligência do Reino Unido quando o governo de Blair produziu um dossiê denunciando a posse de armas de destruição em massa pelo Iraque - principal fator usado pelos Estados Unidos como justificativa para invadir o país em março de 2003.
O arsenal iraquiano, porém, jamais foi encontrado. O motivo pelo qual os ministros acreditaram em sua existência - e onde conseguiram evidências para crê-lo - é agora objeto de investigação do comitê de inquérito.
O ex-secretário geral da ONU Kofi Annan e o ex-inspetor de armas da ONU Hans Blix também constam da lista de testemunhas convocadas. No entanto, a expectativa maior do Inquérito Iraque gira em torno do depoimento de Blair, que será divulgado - exceto trechos que possam comprometer a segurança nacional. O inquérito se debruçará sobre o período que vai de julho de 2001 a julho de 2009.
A decisão de Blair de apoiar a iniciativa bélica do então presidente americano George W. Bush e enviar 45 mil soldados britânicos para o Iraque enfrentou dura oposição no país e em toda a Europa, além de ter sido tomada sem a aprovação da ONU.
A campanha britânica, que formalmente terminou em julho deste ano com a retirada de todos os militares britânicos do Iraque - com exceção de uns poucos -, tornou-se símbolo do governo Tony Blair, que durante 10 anos ocupou os gabinetes de Downing Street.
Analistas sugerem que as divisões causadas na Europa pela adesão britânica à guerra no Iraque podem ter custado a Blair a eleição para a presidência da União Europeia, vencida na semana passada pelo premiê belga Herman Van Rompuy.
Blair e outras figuras de seu governo foram convocadas a depor no ano que vem, quando o Comitê de Inquérito estudará a delicada questão da legalidade do conflito iraquiano. O relatório final deve ficar pronto, na melhor das hipóteses no fim de 2010.
Chilcot afirmou que seu comitê não quer levar ninguém a julgamento, mas que não se intimidará com as críticas que certamente surgirão. "Estou bastante confiante de que podemos produzir uma descrição completa e esclarecedora das diferentes considerações sobre a legitimidade da guerra", declarou à agência britânica de notícias Press Association.