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Lula recebe líder palestino Mahmud Abbas em Salvador

O presidente brasileiro deve evitar um respaldo explícito à proposta de levar ao Conselho de Segurança a declaração unilateral de soberania

Para amenizar a recepção improvisada para o presidente da Autoridade Palestina (AP), Mahmud Abbas, em Salvador - onde o colega, Luiz Inácio Lula da Silva, conseguiu um espaço na agenda entre as comemorações do Dia da Consciência Negra -, o Ministério das Relações Exteriores emitiu ontem um comunicado que garantiu as boas-vindas. No texto, publicado no fim da tarde, o governo brasileiro revela "profunda preocupação" com a decisão de Israel de construir 900 novas casas no assentamento de Gilo, em Jerusalém Oriental, e "conclama" o país a rever a posição. Abbas terá a chance de agradecer no encontro de hoje, onde deverá também pedir o apoio do Brasil à declaração unilateral de independência dos territórios palestinos, que a AP pretende enviar ao Conselho de Segurança das Nações Unidas. O mesmo pedido foi feito na última segunda-feira à União Europeia, que o rejeitou no dia seguinte. Segundo o bloco, "as condições não estão prontas" para uma medida desse tipo. O governo brasileiro defende a "solução de dois Estados" para o conflito no Oriente Médio, mas também é pouco provável que apoie a iniciativa. "Entendo que parte da reação palestina vem no sentido de pressionar a diplomacia dos EUA a tomar uma posição mais forte, e o Brasil não vai tomar uma atitude que venha a desgastar sua relação com Washington e contrarie o multilateralismo da ONU", opina Cristina Pecequilo, professora de Relações Internacionais da Universidade Estadual Paulista (Unesp). Para a especialista em política externa, o país "tem que manter a posição histórica" em relação ao Oriente Médio. "O Brasil sempre defendeu a constituição de um Estado palestino, mas desde que isso não seja feito de forma unilateral", destaca Pecequilo. O embaixador da Delegação Especial Palestina, Ibrahim Al-Zeben, no entanto, afirmou ao Correio que seu governo espera que "o mundo tome sua parte e a sua responsabilidade" na questão palestina (leia a entrevista abaixo). Segundo ele, o Brasil, que ocupará um assento não permanente no Conselho de Segurança a partir de 2010, "sem dúvida" poderia ajudar a aprovar o reconhecimento do Estado palestino. Mediação O que o governo brasileiro deve oferecer a Abbas é disponibilidade para facilitar as conversas com Israel, se as duas partes quiserem. Do lado israelense, o presidente Shimon Peres demonstrou certo interesse na participação do Brasil - embora esse tipo de decisão caiba ao primeiro-ministro. Mas se o pedido de Abbas vier na direção defendida pelo embaixador Al-Zeben, a probabilidade é que o diálogo não avance muito. "O Brasil pode convencer Israel a se retirar do território palestino e abandonar a política de ocupação, de segregação racial, de criar muros", disse o embaixador. O comunicado do Itamaraty, entretanto, já pode ser visto como um bom passo pelo lado palestino. "A decisão do governo israelense viola resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas a respeito do tema e contraria as obrigações assumidas por Israel no âmbito do Mapa do Caminho", diz o texto, mencionando um plano de paz norte-americano. O governo brasileiro considerou o anúncio de Israel um "duro golpe nos esforços internacionais" e um "novo obstáculo à consecução do objetivo de um futuro Estado palestino". Para Pecequilo, o Brasil pode até fazer um papel de mediador, mas a "questão do Oriente Médio não vai se resolver sem uma posição mais forte dos EUA". Abbas chegou a Salvador na manhã de ontem e foi recebido por Lula com um jantar no Palácio de Ondina. Hoje, os dois se reúnem no Museu da Misericórdia, às 10h. Da Bahia, o líder palestino segue para Porto Alegre, onde encontrará autoridades locais e a comunidade palestina, que se concentra no Sul do país. No domingo, Abbas viaja para a Argentina e, em seguida, para o Chile. À espera da embaixada Chegou ontem à Comissão de Relações Exteriores e Defesa do Senado a proposta que autoriza a União a doar um terreno para a embaixada da Delegação Especial Palestina, no Setor de Embaixadas Norte. O projeto foi enviado ao Congresso em 26 de novembro de 2008 e, na Câmara dos Deputados, já foi aprovado pelas comissões de Relações Exteriores e Defesa Nacional; de Trabalho, Administração e Serviço Público; e de Constituição e Justiça, que terá a última palavra. A promessa da cessão do lote tem mais de 10 anos. Em 1998, o então governador do DF, Cristovam Buarque, acatou pedido do Itamaraty para ceder um terreno aos palestinos, mas o processo enfrentou obstáculos até que o governo federal empenhou seu apoio. Hoje, a Delegação Especial Palestina funciona em uma casa no Lago Sul. O embaixador Ibrahim Al-Zeben diz esperar que a doação do terreno seja aprovada "muito em breve". "Esperamos colocar, antes de março, as pedras fundamentais da nova embaixada", disse ao Correio. Segundo Al-Zeben, há um projeto para o prédio, feito pela gestão anterior, que poderá receber alguns "retoques". Entrevista Ibrahim Al-Zeben Negociação caducou Antes de deixar Brasília rumo a Salvador, onde receberia o presidente Mahmud Abbas, o embaixador da Delegação Especial Palestina em Brasília, Ibrahim Al-Zeben, disse ao Correio que "não deveria ser uma novidade" o fato de a Autoridade Palestina ter decidido pedir ao Conselho de Segurança da ONU seu reconhecimento como Estado soberano. "Se não foi possível pela via da negociação, temos de recorrer ao conselho", argumentou. Al-Zeben acredita que o Brasil pode ajudar "convencendo Israel a se retirar do território palestino". O presidente Mahmud Abbas pretende levar ao Conselho de Segurança um pedido de reconhecimento do Estado palestino. Ele pedirá o apoio do Brasil, que assume um assento em 2010? Sempre vamos precisar do Brasil, como amigo e como um país importante na arena política internacional, um parceiro cuja opinião é muito importante para nós. Já estamos há mais de 15 anos negociando com Israel, com a finalidade de criar o Estado palestino. Se não foi possível pela via de negociação, então temos de recorrer ao Conselho de Segurança. O senhor acredita que o Brasil pode ajudar a aprovar essa proposta? Sem dúvida. Nós contamos com uma compreensão total por parte de toda a comunidade internacional. Só esperamos que os Estados Unidos não usem seu poder de veto. Abbas anunciou que não concorrerá à reeleição e o presidente Lula só tem mais um ano de governo. O que esperar desse encontro entre líderes que estão deixando seus postos? Qualquer que seja o mandatário, na Palestina ou no Brasil, os compromissos de Estado serão respeitados. Não vai ter muita diferença, a não ser em questão de estilo dos próximos governantes. Na última semana, em Brasília, o presidente Shimon Peres pediu ao Brasil que dialogasse com as forças moderadas do mundo árabe. Como o senhor vê esse pedido? Se eu não fosse palestino, teria acreditado. Mas, como conheço a realidade, não acredito na palavra dos mandatários de Israel. Ele falou de paz, de estabilidade, de cooperação, mas negou qualquer responsabilidade na tragédia palestina. Então, se realmente ele é tão pacífico, quem está impedindo a criação do Estado palestino? Quem ocupa o território palestino? Como o Brasil pode contribuir no processo de paz? Obviamente, para ser mediador, é preciso ter boas relações com ambas as partes, e acredito que o presidente Lula pode ter um papel importante em nos aproximar de uma paz justa e duradoura. O Brasil conhece muito bem a realidade palestina desde 1947, sabe muito bem por que foi negada até agora a criação do Estado palestino. O Brasil pode convencer Israel a se retirar do território palestino e a cumprir com a visão "dois povos, dois Estados". No momento em que Israel abandonar essa política de ocupação, de segregação racial, de criar muros, então a paz será uma realidade.