Enviado especial
Paris - Pressionada pelos lobbies norte-americano e sueco - que também querem vender seus aviões de combate de última geração ao Brasil -, o consórcio francês Rafale Internacional atendeu a todas as exigências feitas pelas autoridades brasileiras para a aquisição de 36 de seus modernos caças, tanto do ponto de vista da transferência de tecnologia como do comercial (principalmente o preço, mantido em sigilo). "Não posso revelar o teor da proposta, é uma das exigências da Força Aérea Brasileira", disse o presidente da Rafale Internacional, Eric Trappier, vice-presidente executivo da Dassault Aviation e o único autorizado a falar sobre a negociação.
Na sede da Dassault, em St. Cloud, Trappier admitiu que o custo de desenvolvimento do caça Rafale foi de 7 bilhões de euros (cerca de R$ 18,2 bilhões), bancados pelo governo francês. O executivo recusou-se a revelar o valor total do avião. Ele afirma que o custo dependerá das adaptações que serão feitas por exigência da Força Aérea Brasileira (FAB) e do número de unidades produzidas no Brasil. Mas prometeu equivalência em relação aos custos reais do concorrente norte-americano. O caça francês custaria muito mais do que o sueco Gripen NG - o protótipo da Saab seria fabricado em parceria com o Brasil. Os franceses negam essa disparidade. No entanto, temem um dumping do Tesouro norte-americano no financiamento dos F-18 Super Hornet, da Boeing, cujo desenvolvimento consumiu US$ 40 bilhões.
Além de transferir tecnologia e implantar uma linha de montagem em parceria com a Embraer e mais 10 empresas brasileiras, a Rafale promete custo de manutenção equivalente aos Mirage 2000 da FAB. O consórcio atribui essa possibilidade à racionalidade de sua linha de produção e ao sofisticado sistema de monitoramento eletrônico desenvolvido pela Dassault para analisar o desempenho do avião, identificando eventuais falhas e defeitos. A manutenção e a operação dos Rafale exige reduzido número de ferramentas e pessoal de manutenção.
Caixa preta
O custo do caça Rafale virou uma caixa preta, que só será aberta pelo governo brasileiro quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva bater o martelo para a conclusão do programa F-X2, de reaparelhamento da FAB. Uma comissão de 60 militares da Aeronáutica examina as propostas e deve apresentar sua avaliação até o fim do mês. Até agora, a Rafale coleciona reveses na disputa com a Boeing para a venda de caças. Perdeu concorrências nos Países Baixos, na Coreia do Sul e no Marrocos. Segundo Drappier, não foi por causa dos aspectos técnicos e comerciais que a Rafale deixou de vender seus aviões: "Tínhamos o melhor desempenho operacional e o melhor preço, mas pesaram as relações militares estratégicas dos Estados Unidos com esses países".
No caso do Brasil, o Rafale estaria em vantagem política em relação aos concorrentes. O governo brasileiro teceu uma aliança estratégica com a França. Lula assinou um acordo de cooperação com o colega francês, Nicolas Sarkozy, para a compra de helicópteros e submarinos e para a construção de um submarino nuclear. No pacote, a França quer incluir os Rafale, cuja versão naval foi testada no porta-aviões Foch, que a Marinha brasileira comprou e rebatizou com o nome de São Paulo. É mais um trunfo para os franceses, que estão deslocando os EUA do papel de principal aliado do Brasil na política mundial.
Entrega em três anos
No fim do mês, depois de sucessivos adiamentos, a Comissão Gerencial do Projeto F-X2 deverá concluir os trabalhos de avaliação das propostas enviadas pelas empresas Rafale, Boeing e Saab para a venda dos caças à Força Aérea Brasileira (FAB). O ministro da Defesa, Nelson Jobim, teme que os brigadeiros descartem o modelo francês como primeira opção de compra, deixando o presidente Lula numa saia justa para explicar o motivo da preferência por um avião francês. Como se sabe, ele anunciou a compra dos caças franceses durante a visita do presidente francês, Nicolas Sarkozy, ao Brasil.
O comandante da Aeronáutica, brigadeiro Juniti Saito, que chegou a pensar em pedir demissão quando Lula anunciou a tendência pelo Rafale, nega preferências pessoais na disputa. Porém, os engenheiros da FAB querem participar não apenas da construção, mas também do desenvolvimento da concorrência FX-2. A transferência de tecnologia passou a ser palavra-chave na negociação para a compra dos aviões, uma exigência bastante enfatizada por Jobim e Lula.
Ao falar sobre o assunto, Eric Trappier, presidente da Rafale Internacional, prometeu entregar os aviões em três anos e transferir tecnologia para mais de uma dezena de companhias brasileiras parceiras da Rafale - um consórcio integrado também pelas empresas Snecma (fabricante das turbinas) e Thales (equipamentos eletrônicos, radares e sistemas de defesa). Inicialmente, seriam produzidos no Brasil as asas dos caças (Embraer), os componentes eletrônicos do radar de última geração e as peças de manutenção dos motores, além de outros componentes a serem introduzidos no avião em razão das adaptações exigidas pela FAB, como mudanças no cockpit.
Em termos geopolíticos, o acordo com a França só teria paralelo com o acordo nuclear da década de 1970 com a Alemanha. À época, o presidente Ernesto Geisel rompeu com o tratado de cooperação militar com os Estados Unidos, a fim de construir a usina nuclear de Angra dos Reis (RJ). Os franceses não gostam da comparação, pois não querem problemas com o governo de Barack Obama, e argumentam que os caças Rafale operam no Afeganistão, em apoio às forças da coalizão liderada pelos Estados Unidos.
O fato é que o pacote militar negociado com a França reduzirá a dependência tecnológica em relação aos EUA e transformará os franceses em parceiros estratégicos para o desenvolvimento de uma nova indústria de Defesa brasileira. Nesse contexto, os franceses estão dispostos a transferir tecnologia para a construção do cargueiro militar KC 390 da Embraer e serem os primeiros a adquirir o novo avião brasileiro, além de desenvolver um avião não-tripulado de observação.