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Derrota de egípcio na Unesco é celebrada por judeus e criticada no mundo árabe

Paris - O revés do egípcio Faruk Hosni para dirigir a Unesco, cargo para o qual uma mulher foi eleita pela primeira vez, a búlgara Irina Bokova, pode ser explicado pela mobilização de entidades e intelectuais judeus que o chamaram de antissemita, mas também pela oposição de alguns membros da própria organização. "A Unesco acaba de escapar a um escândalo, de um desastre moral. Faruk Hosni não merecia este trabalho. Não merecia esta honra", declarou nesta quarta-feira à rádio France Internacional o Prêmio Nobel da Paz Elie Wiesel, que citou o papel de Hosni na tomada de reféns do "Aquile Lauro" em 1985. "Ele foi quem permitiu os terroristas do Aquile Lauro escaparem", disse Wiesel, referindo-se à época em que Hosni era conselheiro cultural na embaixada egípcia em Roma, cargo no qual teria facilitado a fuga do comando palestino que sequestrou o navio italiano com 100 passageiros a bordo. Antes do início do processo eleitoral, quinta-feira passada, com uma primeira votação dos 58 membros do conselho executivo, Faruk Hosni, de 71 anos, era o grande favorito. Muitos observadores vinculavam a candidatura do egípcio ao interesse dos EUA e da Europa de reativar o processo de paz israelense-palestino, no qual Cairo tem um papel mediador preponderante. Mas a perspectiva de Hosni à frente da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), que tem entre suas metas propiciar o diálogo entre culturas, não seguiu este caminho e gerou uma polêmica que só fez aumentar com o passar dos dias. Intelectuais e organizações judaicas o acusaram de antissemitismo, de fazer afirmações contra israelenses e de pertencer a um regime que pratica a censura. No passado, Hosni declarou que queimaria livros judeus. "O lobby judeu exerceu enormes pressões", afirmou à AFP no Cairo Mohammed Salmaui, presidente da União de Escritores Egípcios. O embaixador da Liga Árabe em Paris, Nassif Hitti, denunciou as "manobras políticas e a politicagem que rondaram esta eleição". No fim de semana, as delegações europeias mantiveram intensas negociações para decidir qual das duas candidatas desta região - entre Bokova e a austríaca Benita Ferrero Waldner, comissária europeia - continuaria na disputa para impedir a eleição do egípcio. "Esta é a primeira vez que existe uma polarização semelhante entre norte e sul", afirmou Gaber Asfur, diretor do serviço de traduções do ministério egípcio da Cultura. Israel, que em maio manifestou sua oposição à candidatura de Hosni, celebrou a eleição de Bokova. As vozes contra a eleição do egípcio também se levantaram dentro da própria Unesco. Fontes diplomáticas citadas pelo jornal francês Liberation indicaram que a defesa que Hosni fez de sua candidatura no conselho executivo, ao que os candidatos respondem em francês e inglês, foi "decepcionante". À frente do ministério da Cultura do Egito há mais de 20 anos, Hosni respondeu somente em francês, enquanto a equatoriana Ivonne Baki, que havia ficado em último lugar antes de retirar sua candidatura, fez questão de deixar claro que fala francês, inglês, árabe e espanhol, comentaram fontes próximas à eleição, que nunca havia sido tão disputada. A búlgara Irina Bokova, ex-comunista de 57 anos, atual embaixadora em Paris, venceu com 31 votos, contra 27 de Hosni. Sua eleição deve ser confirmada em outubro pela Conferência Geral da Unesco, com a participação de 193 países.