A volta de Manuel Zelaya a Honduras transformou a capital, Tegucigalpa, em um ambiente cada vez mais tenso. Enquanto o presidente deposto de Honduras, Manuel Zelaya, permanecia aquartelado dentro da Embaixada do Brasil, no bairro de Colonia Palmira (região central), um clima de guerra tomou conta da cidade: soldados do Exército tomaram as ruas, reprimiram manifestações e isolaram a representação diplomática brasileira. Nas vias que dão acesso a Tegucigalpa, cerca de 600 mil simpatizantes do líder deposto estão impedidos, pelas forças de segurança, de prosseguir viagem.
O presidente de fato, Roberto Micheletti, ordenou o corte de água, eletricidade e dos telefones da embaixada ; um artifício para levar Zelaya à rendição. Durante todo o dia, nenhum tipo de alimento podia chegar ao prédio. Lá dentro, ele; a mulher, Xiomara Castro; os filhos e assessores mais próximos contavam com o fornecimento de luz por meio de um gerador. O governo brasileiro apelou na noite de ontem por uma reunião de emergência do Conselho de Segurança da ONU para discutir a crise.
[SAIBAMAIS]Por telefone, Juan Barahona, coordenador do Bloco Popular e da Frente Nacional contra o Golpe de Estado, afirmou ao Correio que esteve ao lado do presidente afastado até as 23h de segunda-feira (3h de ontem em Brasília), quando deixou o prédio e montou guarda diante dos portões, com cerca de 4 mil pessoas. Os seguidores de Zelaya desafiaram o toque de recolher, imposto inicialmente até as 7h (hora local) de ontem e estendido até as 6h de hoje, e não arredaram do local. Foram retirados à força. ;Às 5h30 de hoje (ontem), a polícia e o Exército chegaram usando canhões d;água, bombas de gás lacrimogêneo e gás lacrimogêneo. Resistimos por várias horas e, às 9h, conseguiram dispersar a resistência. Foi aí que eles (policiais) usaram ;balas vivas;;, relatou o ativista, assegurando ter visto feridos.
Relatos davam conta de que pelo menos uma pessoa morreu, várias ficaram feridas e 300 estão detidas em um estádio de Tegucigalpa. O jornalista Eduardo Maldonado, da Rádio Globo de Honduras, confirmou à reportagem que o sindicalista Oscar Chávez, do Instituto Nacional Agrário, foi morto ontem durante a repressão. ;Temos dezenas de feridos nos hospitais. Houve uma repressão terrível por parte da polícia;, contou. ;Cerca de 400 pessoas estão dentro da embaixada;, acrescentou. Depois de expulsarem os manifestantes, policiais colocaram amplificadores voltados em direção à embaixada e tocaram o hino nacional de Honduras.
Invasão
;A repressão aqui é brutal. Vários veículos foram danificados;, admitiu o radialista Omar Rodríguez, um militante de esquerda cuja emissora de rádio teve ontem o fornecimento de energia elétrica cortado. ;Há uma ordem da Suprema Corte de Justiça para invadirem o prédio e capturarem Zelaya, mas Honduras é signatária das Convenções de Viena;, observou. Barahona garantiu que uma comissão de advogados foi chamada à Casa Presidencial, ao meio-dia de ontem (15h em Brasília), para analisar o tratado. A informação foi desmentida por um assessor de Micheletti. ;Isso (invasão) é impossível;, disse, sob a condição de anonimato.
Dario Nuñez Fiallos, de 34 anos, afirmou ao Correio que vive a apenas 400m da representação brasileira. ;As casas aqui perto estão pichadas com mensagens de apoio a Zelaya e de repúdio a Micheletti, muitos vidros foram quebrados e várias pessoas foram golpeadas.; Ele acusou a polícia de negligência, ao usar bombas de gás lacrimogêneo. ;Crianças e famílias foram atingidas dentro da embaixada;, denunciou.
O presidente de fato disse que não tem a intenção de entrar em confronto com o Brasil. ;Se ele (Zelaya) quiser ficar vivendo lá uns 5 ou 10 anos, nós não temos nenhum inconveniente em que viva lá;, afirmou Micheletti, em entrevista à agência de notícias Reuters. ;Nós não iremos fazer absolutamente nada que confronte outro país irmão, nós queremos que eles compreendam que ou lhe dão asilo político ou o entregam às autoridades hondurenhas para seu julgamento.;
Para evitar a extensão do confronto entre partidários de Zelaya e governistas, a comunidade internacional engajou-se numa corrida diplomática. José Miguel Insulza, secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), revelou que apenas esperava garantias de segurança para viajar a Tegucigalpa e mediar o restabelecimento da democracia.
Em carta aos membros do Conselho de Segurança da ONU, o Itamaraty demonstrou-se preocupado ;com a segurança do presidente Zelaya e com a segurança e integridade física das instalações da embaixada e de funcionários;. Localizado pelo Correio no Rio de Janeiro, o embaixador Brian Michael Neele, preferiu não falar. O líder deposto exortou seus embaixadores a retornarem a Honduras. Por telefone, o deputado Toribio Aguilera, do Partido de Inovação e Unidade Social Democrata (Pinud-SD), se disse decepcionado com o Brasil. ;A posição de Lula e de outros presidentes é uma intromissão;, afirmou.
Eu acho...
;Zelaya é um homem que não respeita acordos, é um homem irresponsável. Me preocupa muito a forma bruta que ele volta ao país. Tememos um derramamento de sangue. O papel do Brasil nos deixou muito decepcionados. Era importante seguir com o diálogo do Acordo San José. Estávamos analisando alguns aspectos para operacionalizar o acordo, mas a intromissão do Brasil nos obriga a reconsiderar o caminho. A posição de Lula e de outros presidentes é de intromissão. Lula e companhia estão dizendo que não vão respeitar nossas eleições, o que é um absurdo;
Toribio Aguilera, deputado do Partido de Inovação e Unidade Social Democrata (Pinud-SD)
Amorim rejeita ameaça
O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, assegurou que o Brasil ;não vai tolerar; nenhuma ação contra as instalações da embaixada em Tegucigalpa, onde o presidente deposto, Manuel Zelaya, está aquartelado desde a última segunda-feira. Segundo Amorim, o governo de fato enviou uma ;nota impertinente e em termos inadequados; à representação, na qual afirmava que ia ;blindar; as imediações do prédio. O chanceler brasileiro condenou de forma veemente a suspensão do fornecimento de água, luz e telefone à representação, bem como a decisão da polícia de lançar bombas de gás lacrimogêneo próximo ao prédio.
;Entramos em contato com outros países que mantêm diálogo com o governo de fato para que saibam que seria intolerável qualquer ataque à nossa embaixada;, anunciou Amorim em entrevista coletiva, em Nova York. O ministro evitou dizer que a embaixada na capital hondurenha estava ;cercada;, mas confessou preocupação com a segurança de todos os que estão na representação ; entre 60 a 80 pessoas, inclusive crianças. Amorim afirmou ainda que o Brasil estudou enviar uma carta ao Conselho de Segurança das Nações Unidas para abordar a questão da segurança na embaixada.
Em Brasília, o líder do PPS na Câmara, deputado Fernando Coruja, apresentou requerimento pedindo a convocação de Amorim para explicar o abrigo dado a Zelaya. Segundo o partido, é preciso esclarecer melhor se o Brasil tinha conhecimento da entrada do presidente deposto e se houve descumprimento de acordos internacionais no episódio. ;O senhor Zelaya não pode estar na embaixada e atuando politicamente, usando a embaixada como plataforma política. Ele não pode fazer comício de lá de dentro;, disse o vice-líder do partido, Raul Jungmann.