Um carregamento de galões radioativos, descoberto em frente à costa italiana, confirma as revelações de um ex-mafioso da Calábria e as preocupações das associações ambientais sobre a presença de resíduos tóxicos no mar Mediterrâneo.
Foi graças ao depoimento de um membro arrependido da Ndrangheta (máfia da Calábria), Francesco Fonti, que as autoridades italianas localizaram no dia 12 de setembro os restos do cargueiro "Cunsky", afundado em 1992 por sua organização na costa calabresa.
As revelações, feitas perante um magistrado antimáfia de Milão, remontam a 2006. No entanto, foi necessária a tenaz intervenção de um promotor da Calábria, Bruno Giordano, e a mobilização de equipes sofisticadas - que incluíam o uso de um robô - para recuperar o carregamento, três anos depois. Eram 120 galões de lixo radioativo, que jaziam a 500 metros de profundidade.
"Ainda não sabemos a origem dos resíduos, mas é provável que venham do estrangeiro. É um primeiro passo", disse Giordano à AFP.
A descoberta é também um primeiro passo que pode levar a outras surpresas desagradáveis: o "Cunsky", uma das 32 embarcações afundadas pela máfia no Mediterrâneo, levava a bordo produtos tóxicos como o tório 234, o plutônio e o sulfato de amônia, indicou o promotor da Reggio Calabria.
"Segundo as confissões de mafiosos arrependidos, a Ndrangheta foi paga nos últimos vinte anos para jogar resíduos radioativos no mar", indicou Sebastián Venneri, vice-presidente da Legambiente, organização de defesa do meio ambiente que denunciou o caso junto ao Greenpeace.
Venneri ressalta que estes resíduos "não representam um risco para os banhistas, mas sim para a cadeia alimentar: a partir do plâncton contaminado, corremos o risco de encontrar as substâncias tóxicas em nossos pratos".
Em 21 de abril de 2006, o ex-mafioso relatou à promotoria de Milão a história do naufrágio do "Cunsky": "Estávamos em janeiro, eram mais ou menos 19H30. Tínhamos detonadores, mas de curto alcance, de 300 metros, creio. Ativamos os detonadores de nosso bote".
Os explosivos, de uso militar, vinham da Holanda, e os resíduos nucleares, da Noruega, declarou.
O arrependido explicou à imprensa italiana esta semana que a Ndrangheta "transportou milhares de barris radioativos para a África".
"Ao chegar ao porto de Bosasso (na Somália, controlado na época pelo exército italiano), os soldados italianos olharam para o outro lado", contou.
Apesar das recentes denúncias, o Ministério da Justiça italiano arquivou o caso dos barris radioativos que foram encontrados na costa norte da Sicília - acredita-se que eles tenham escapado dos restos do "Koralina", cargueiro afundado em 1995.
Além disso, desde as queixas iniciais apresentadas em 1994 pela Legambiente, todas as investigações relativas aos barcos desaparecidos foram arquivadas.
"Isso talvez aconteça devido à indiferença do Estado italiano, mas não devemos descartar a hipótese de uma intenção deliberada de enterrar estes casos", estimou Venneri.
Em uma entrevista publicada esta semana, Francesco Neri, ex-promotor da Reggio Calabria, denunciou a "rapidez" do Estado nestes casos: em 1995, relata, o Ministério da Justiça negou a ele um crédito de 50.000 euros "para financiar a investigação no mar, e isto sem a menor explicação".