Em junho de 2003, o ministro das Relações Exteriores brasileiro, Celso Amorim, recebeu no Itamaraty os colegas Yashwant Sinha (Índia) e Nkosazana Dlamini-Zuma (África do Sul) para formalizar a criação do Fórum de Diálogo Ibas. Seis anos depois, Brasília novamente sediará o encontro entre chanceleres dos três países, para consolidar os avanços e traçar novas metas para o fórum que é, atualmente, a menina dos olhos da diplomacia multilateral do governo Lula. A evidente predileção pelo Ibas é explicada pelo fato de ter sido o primeiro ; e o mais bem-sucedido ; projeto da política Sul-Sul do Itamaraty. Entretanto, apesar de ter se tornado um fórum trilateral relativamente importante, seu alcance no cenário internacional ainda não vai muito além dos programas sociais financiados pelo Fundo Ibas.
Desde que foi lançada, a articulação conseguiu encaminhar diversos projetos internos que preveem troca de experiência sobre problemas comuns, como pobreza, evasão fiscal e falsificação de medicamentos. O interesse é por soluções consideradas bem-sucedidas em cada um dos países, como o Bolsa Família, cujo modelo os governos indiano e sul-africano já consideram copiar. No caso brasileiro, a busca é por conhecer mais, por exemplo, o modelo de administração pública ;herdado dos ingleses e aplicado em países em desenvolvimento;.
;Conseguimos atingir uma intensidade boa de encontros nos grupos de trabalho, fomos juntos desenvolver parcerias até na Antártida. Mas há plataformas para projetos cada vez mais ousados;, afirma o diretor do Departamento de Mecanismos Regionais do Itamaraty, embaixador Gilberto Moura. Uma das iniciativas que podem ser enquadradas como ;ousadas; é a criação de um fundo de Ciência e Tecnologia, que terá investimento de US$ 1 milhão de cada país para o desenvolvimento de pesquisas conjuntas.
Na reunião de hoje, Amorim, o indiano S. M. Krishna e a sul-africana Maite Nkoana-Mashabane não só devem confirmar os avanços conseguidos nesses projetos ;internos; do fórum, como vão pedir celeridade nos três programas tocados, hoje, com recursos do Fundo Ibas: a construção de um centro esportivo em Ramallah e a reconstrução de uma escola na Faixa de Gaza (ambos na Palestina) e a criação de um centro de referência no combate à Aids em Burundi (África). Os chanceleres também debaterão temas da agenda global, a fim de identificar semelhanças de posição entre os três governos, e preparar o terreno para a cúpula dos chefes de Estado do grupo, que se reunirá em Brasília, em 8 de outubro. ;O Ibas tem a característica de lutar por posições no cenário internacional. Para isso, temos procurado, cada vez mais, constituir uma voz uníssona, mostrar que os Ibas falam juntos;, explica Moura.
Fluidez
Para o governo Lula, o fórum Índia-Brasil-África do Sul é um encontro feliz de ;democracias vibrantes, com um estágio de desenvolvimento econômico semelhante e posições regionais muito parecidas;. ;É muito fácil de trabalhar com o Ibas, porque os três países têm visões de mundo muito próximas. O diálogo flui muito bem;, disse ao Correio uma fonte do Itamaraty. Uma das provas da ;sintonia;, para a diplomacia brasileira, é que o fórum tem se mostrado resistente a mudanças de governo na África do Sul e na Índia ; a última teve quatro diferentes chanceleres nesse período.
Para o professor da Universidade de Brasília José Flávio Sombra Saraiva, no entanto, o Ibas tem ;muito pouco a dar; daqui para frente. ;É um fórum importante, mas que chegou no seu limite. Eles têm em comum o fato de terem algumas visões convergentes sobre o sistema internacional e serem gigantes regionais. Mas as políticas exteriores desses três países já têm agendas muito complexas, inclusive em suas regiões, que movem energia para o seu próprio entorno;, afirma.
Inversão de rumo
A atenção prioritária às relações com outros países emergentes e, em geral, com o mundo em desenvolvimento foi uma das marcas registradas do governo Lula em relação aos antecessores. Além do Fórum Ibas, essa orientação produziu a Cúpula América do Sul - Países Árabes, reunida em Brasília (2005) e Dubai (2009). Também se expressou no empenho do Planalto e do Itamaraty com o Mercosul, na criação da União de Nações Sul-Americanas (Unasul) e na realização, no fim de 2008, da Cúpula da América Latina e Caribe, primeiro encontro de líderes da região sem a presença de potências externas.