Jornal Correio Braziliense

Mundo

Seis décadas depois, Convenção de Genebra ainda é ignorada

Genebra, pós-Segunda Guerra Mundial. O mundo ainda limpava as feridas de um conflito sangrento, abreviado pela explosão de duas bombas atômicas no Japão. Na fronteira entre Suíça e França, representantes de todos os países se reuniram para revisar as Convenções de Genebra e adicionar 159 artigos aos documentos. A Quarta Convenção de Genebra, assinada a 12 de agosto de 1949, garante proteção aos civis, incluindo nos territórios ocupados por forças invasoras. Pela primeira vez, diferenciou-se moradores de atores armados. O documento também impôs obrigações visando o alívio humanitário às populações afetadas. Sessenta anos depois, a força das armas ameaça o cumprimento dos compromissos firmados e a base naval de Guantánamo, em Cuba, segue como um legado vergonhoso da cruzada antiterror decretada por George W. Bush. [SAIBAMAIS]Na véspera de diplomatas se reunirem em Genebra para celebrar o documento e escutar o discurso de Jakob Kellenberger, presidente do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CIRC, pela sigla em inglês), o Correio ouviu ontem uma vítima e uma testemunha do desrespeito aos direitos humanos. Para o palestino Ahmed Omar, jornalista da agência de notícias Ramattan, o mundo não tem motivos para celebrar o 60º aniversário das Convenções de Genebra. "O que vivemos aqui em Gaza foi um crime de guerra. Não havia lugar seguro. O Exército israelense bombardeou mesquitas e escolas. Não existiu lei internacional ou Nações Unidas", desabafou, referindo-se à ofensiva israelense, lançada em 27 de dezembro passado, que matou mais de mil palestinos. Do outro lado do Atlântico, a 100km da base naval de Guantánamo, o economista Luis Alejandro Pascual - morador de Santiago de Cuba - sente rancor em relação aos americanos. "Guantánamo foi ocupada ilegalmente e usada para violar tratados internacionais", criticou. Ele confessa que nunca foi a Caimanera, povoado de 10 mil habitantes, ao sudeste da ilha caribenha, considerado o portal do centro de detenção norte-americano. "Os EUA violaram o nosso direito à livre ocupação de nosso território". O presidente Barack Obama ordenou o fechamento da prisão em janeiro de 2010. Pedra angular David Crane, professor de direito da Syracuse University - no estado de Nova York - admite ao Correio que as Convenções de Genebra foram e são a pedra angular da garantia da lei em conflitos armados. "A Quarta Convenção de Genebra de 1949 foi parte de um período que tornou-se a base da moderna lei criminal internacional", sustenta. Segundo ele, o tratado surgiu em uma época "brilhante" para a humanidade. Ao lado das Convenções de Genebra, apareceram os Princípios de Nuremberg, a Carta das Nações Unidas e a Declaração Universal dos Direitos Humanos. "Tais documentos declararam que os seres humanos têm o direito de existir e determinaram que as nações que abusarem desse direito podem ser processadas". Crane afirma que as Convenções de Genebra lhe permitiram atuar como promotor-chefe dos tribunais de crimes de guerra na África Ocidental. "Foi com base nelas que convoquei a Corte Especial para a Serra Leoa, a fim de indiciar o ex-presidente da Libéria Charles Status, sob o status de criminoso de guerra", lembra. O especialista diz que Guantánamo se tornou símbolo da tortura. Mas garante que o centro de detenção nem chega perto de ser o mais grave exemplo de violação das Convenções de Genebra. "Desde que o tratado começou a ter efeito legal, em 1952, mais de 75 milhões de seres humanos têm sido destruídos por seus governos ou por conflitos internos", lembra. Por meio de um comunicado, Kellenberger previu um desafio. "Constatamos regularmente violações do direito humano internacional, indo do deslocamento em massa de civis a maus-tratos de presos", disse. "A base, a pedra angular, o coração destas convenções continua valendo".