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Entrevista - David M. Crane: 'As Convenções de Genebra são a pedra angular da garantia da lei'

Professor de direito pela Syracuse University (no estado de Nova York), o norte-americano David M. Crane também já atuou como promotor-chefe dos tribunais de crimes de guerra para a África Ocidental. Durante vários anos, conheceu de perto abusos e violações dos direitos humanos. No dia em que a Quarta Convenção de Genebra completa 60 anos, Crane fala ao Correio sobre o tratado que se propôs a proteger a população civil em caso de conflitos armados. Leia a entrevista abaixo:

Sessenta anos após a publicação da Quarta Convenção de Genebra, o mundo respeita mais os direitos humanos?

As Convenções de Genebra eram e permanecem sendo a pedra angular da garantia da lei em conflitos armados. A Quarta Convenção de Genebra de 1949 foi parte de um período de quatro anos logo após a Segunda Guerra Mundial que tornou-se a base da moderna lei criminal internacional. Ao lado das Convenções de Genebra, durante esse momento brilhante para a humanidade, também vimos os Princípios de Nuremberg, a Carta das Nações Unidas, a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Convenção sobre Genocídio. Essencialmente, todos esses documentos internacionais declararam que os seres humanos têm um direito legal de existir e que aquelas nações ou pessoas que abusarem desses direitos podem ser processadas. As Convenções de Genebra que codificaram a lei internacional relacionada à guerra me permitiram, como promotor-chefe dos tribunais de crimes de guerra na África Ocidental, convocar a Corte Especial para Serra Leoa, a fim de indiciar 13 indivíduos por violarem os princípios acima, incluindo o ex-presidente da Libéria Charles G. Taylor no status de criminosos de guerra. As Convenções de Genebra de 1949 são os únicos tratados internacionais que TODAS as nações do mundo assinaram.

Guantánamo é o mais sério exemplo de desrespeito à Convenção de Genebra?


Guantánamo nem chega perto de ser o mais grave exemplo de violação às Convenções de Genebra. Desde que o tratado começou a ter efeito legal, em 1952, mais de 75 milhões de seres humanos têm sido destruídos pelas mãos de seus governos ou por conflitos armados internos ou, por assim dizer, conflitos de características não-internacionais. Os líderes dessas histórias de horror são Mao Tsé-Tung, na China, que matou 64 milhões de pessoas; Joseph Stálin, da União Soviética (34 milhões), e Pol Pot, do Camboja (2 milhões). Esses números sã estimativas. Outros governantes, como Saddam Hussein (Iraque), Charles Taylor (Libéria) e Slobodan Milosevic (Iugoslávia) acrescenteram milhões aos números, bem como violaram as Convenções de Genebra e outros tratados internacionais e leis. Guantánamo tornou-se símbolo do abuso e da tortura. Ainda que o conceito de levar combatentes ilegais encontrados no campo de batalha para um local onde serão processados seja legal sob as Convenções de Genebra, os métodos usados para obter informações dos suspeitos e prendê-los tornaram-se legalmente problemáticos sob a lei internacional e dos Estados Unidos. Parece que o governo Obama tenta corrigir a situação, ao anunciar o fechamento das instalações de Guantánamo.

Que mecanismos são usados para a garantia da obediência às Convenções de Genebra?

O Comitê Internacional da Cruz Vermelha, sediado em Genebra, é a organização internacional que tem o dever de assegurar que o mundo respeite as Convenções de Genebra por meio da educação, do treinamento, da diplomacia, do monitoramento e de denúncias. A moderna lei criminal internacional que surgiu desde Nuremberg estabelece a obrigação, por meio das Convenções de Genebra de 1949, de investigar, processar e punir violações do tratado. Todos os países e suas autoridades têm o dever moral e legal de privarem-se de atingir e abusar não-combatentes ao redor do mundo. A evolução da jurisprudência vinda dos tribunais para a ex-Iugoslávia, Ruanda e Sierra Leo se expandiu sob esses prinícios. Esses são exemplos de passos dados pela comunidade internacional para processar indivíduos que violaram as Convenções de Genebra de 1949.