Brasil, Colômbia e Estados Unidos ainda não estão falando a mesma língua na controvérsia sobre o acordo (1) pelo qual o governo de Bogotá cederá sete bases militares (aéreas, navais e terrestres) em seu território para forças americanas. A dissonância ficou evidente ao final de mais de duas horas de reunião entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o colega Álvaro Uribe, na tarde de ontem, no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB). Uribe chegou pouco depois das 15h30, taciturno, saiu depois das 17h30 e, ao contrário da extroversão esbanjada no ano passado, limitou-se a dirigir uma "saudação cheia de afeto ao povo irmão do Brasil", além de agradecer "profundamente" pelo "diálogo amplo com o presidente Lula e integrantes do governo brasileiro". Passados mais de 10 minutos da partida do visitante, o ministro Celso Amorim anunciou que "serão necessárias mais consultas com a Colômbia e os Estados Unidos" para que seja possível "resolver certas dúvidas e questões" %u2013 especialmente sobre as implicações da cooperação militar bilateral para os países vizinhos e a região.
O chanceler brasileiro fez questão de "reiterar que um acordo com os EUA restrito ao território colombiano é assunto da soberania dos dois países", mas observou que essa posição se aplica "desde que os dados (sobre o acordo) sejam compatíveis com essa limitação". Nas entrelinhas da breve declaração, Amorim mais uma vez cobrou "transparência" dos governos colombiano e americano sobre as "nossas preocupações que foram expressas". Em particular, o governo brasileiro questiona o alcance das operações a partir da base aérea de Palanquero, ao norte da capital colombiana, de onde tropas americanas poderiam ser transportadas sem escalas até qualquer ponto da Amazônia. Segundo o chanceler, a necessidade de garantias sobre isso "foi mencionada" e será "objeto de reflexão". "Vamos ver se a transparência será suficiente", observou.
O tema das bases irradiou ondas de choque pela vizinhança e desencadeou nova crise entre Uribe e o presidente venezuelano, Hugo Chávez, que denuncia um "plano de invasão gringa" contra seu país e retirou seu embaixador de Bogotá. Chávez e o equatoriano Rafael Correa estão entre os governantes mais ávidos por discutir a questão na cúpula da União de Nações Sul-Americanas (Unasul), na próxima segunda-feira, no Equador %u2013 a ideia partiu do Brasil e do Chile. Mas Lula, ao que tudo indica, não conseguiu demover o presidente colombiano da decisão, anunciada na semana passada, de não assistir à reunião %u2013 justamente por não considerar o foro apropriado.
"O presidente (Lula) expôs os propósitos do Conselho de Defesa Sul-Americano, que vai permitir que certas questões sejam resolvidas com tranquilidade", afirmou o chanceler brasileiro. Perguntado sobre a presença do colombiano na cúpula de Quito, ele foi quase definitivo: "Não posso responder pelo presidente Uribe, mas a impressão que ficou é de que ele não vai". Amorim elogiou Uribe pela "iniciativa muito positiva" de percorrer sete países sul-americanos "para conversar diretamente" com os governos vizinhos. Também ressaltou a necessidade de "todos assumirmos o combate ao narcotráfico", mas frisou a importância de que o problema seja enfrentado "sem ingerências externas" ao continente.
Saindo do CCBB, Uribe se dirigiu para a base aérea, onde teve uma reunião, agendada de improviso, com cinco integrantes da Comissão de Relações Exteriores do Senado. Durante cerca de meia hora, segundo informou ao Correio o presidente da comissão, Eduardo Azeredo (PSDB-MG), o presidente colombiano "garantiu que o Brasil pode ficar tranquilo" quanto às sete bases incluídas no acordo %u2013 que ele apresentou como um prolongamento do Plano Colômbia de combate ao narcotráfico, em vigor desde 2000. "A resposta foi muito firme e positiva, ele esclareceu que não serão bases americanas e que não abrigarão aviões de combate, apenas de reconhecimento", disse o senador. Segundo Azeredo, Uribe "manifestou preocupação ainda com a guerrilha e disse que quer maior integração com o Brasil para que possa apoiar mais esse combate".
Escalas
Antes de chegar a Brasília, última etapa de uma turnê por sete países, o presidente colombiano teve outra conversa difícil no Uruguai, onde o colega Tabaré Vázquez reiterou o desagrado de seu governo com a presença militar americana no continente %u2013 enquanto, do lado de fora, manifestantes gritavam "Uribe assassino". O mesmo tom de Vázquez foi o da presidenta argentina, Cristina Kirchner, e do governante boliviano, Evo Morales. A posição colombiana encontrou melhor receptividade no Peru e no Chile, cujos governos são os mais próximos a Washington, entre os que compõem a Unasul.
1 - PLANO COLÔMBIA 2
Segundo as informações iniciais, o acordo militar em negociação entre Colômbia e Estados Unidos dará aos americanos acesso operacional a três bases aéreas (uma no norte, uma no centro e outra no leste do país), duas navais (uma no Caribe e outra no Pacífico) e duas terrestres (no centro e no sul). O acerto é apresentado como desdobramento do Plano Colômbia (antidrogas), que autoriza a presença no país de até 1.400 americanos, 800 militares e 600 "contratados".