Jornal Correio Braziliense

Mundo

ENTREVISTA - Um mês depois do golpe que destituiu Zelaya, primeira-dama não viu família e está retida

A apenas 25km da fronteira com a Nicarágua, a primeira-dama hondurenha, Xiomara Castro de Zelaya, e dois de seus quatro filhos vivem um drama. Enquanto José Manuel, 19 anos, e Xiomara Hortencia, 21, cuidam das avós, que recebem acompanhamento médico por causa da hipertensão, a mulher do presidente Manuel Zelaya resiste ao golpe de Estado e tenta encontrar uma forma de se reunir ao marido.

[SAIBAMAIS]Em entrevista ao Correio, por telefone, da aldeia de Jacaleapa - no departamento de El Paraíso -, Xiomara Zelaya, 49, denunciou o complô dos poderes Legislativo e Judiciário contra o governo do marido e relatou que a família do presidente está proibida de se mover em direção à Nicarágua. De acordo com a primeira-dama, o governo de fato de Roberto Micheletti deu ordens às Forças Armadas para dispararem contra qualquer cidadão. "Temo pela vida do presidente, de minha família e de qualquer hondurenho", admitiu.

Qual é a situação da senhora e de seus filhos?
Vocês estão em que parte do território hondurenho?

Os militares já nos retêm desde sexta-feira. Eles não nos deixam passar a fronteira. A posição é impedir a passagem da família do presidente. Há um toque de recolher, estabelecido pelo atual governo, a partir do meio-dia. O país está sob estado de sítio. Nenhum veículo tem a autorização para circular. Temos filmado e tirado fotos de como os militares permitem a passagem de cidadãos comuns e retêm a família do presidente. Estão buscando mecanismos de pressão, para que fiquemos em Honduras, sob pena de não podermos regressar. Já se passaram 30 dias e ainda não pudemos nos reunir com meu marido. Nesse momento, estamos no departamento (estado) de El Paraíso, a 25km da fronteira, em uma aldeia de Jacaleapa.

Mas a senhora foi detida pelos militares?
Não, não fui presa. Mas estou detida, porque não permitem que eu me mova.

Como analisa o golpe militar contra seu marido?

A violação a todos os direitos humanos, a violação à Constituição da República têm se manifestado nessas últimas semanas. Ainda antes de o presidente ter sido retirado de sua casa e exilado em outro país, as arbitrariedades eram nítidas. A Suprema Corte e a Promotoria Geral da República, na verdade, fazem parte desse complô contra o presidente. Em março passado, o senhor Micheletti - representante desse regime de fato - era o presidente do Congresso e a ele coube escolher os juízes da Suprema Corte de Justiça. Ele escolheu o promotor, a procuradora. Desde então, já havia um complô para buscar uma maneira de derrubar o presidente Zelaya.

Eles vinham tramando as ações arbitrárias. No momento em que meu marido decide destituir o chefe das Forças Armadas, que é uma prerrogativa do presidente - esse é um posto de confiança -, a Suprema Corte e a Promotoria se pronunciam no dia seguinte e exigem a restituição do general Romeo Vásquez. Nesse momento, eles estavam violentando a lei e a Constituição. A Carta Magna claramente diz: ;O presidente da República tem a liberdade de escolher e demitir o chefe das Forças Armadas;.

Depois, no domingo, dia do golpe de Estado, entraram em nossa casa às 5h30 fazendo disparos, quebrando portas, tirando o presidente com pistolas em seu peito. Eles amarraram os braços e as pernas do presidente para levá-lo para fora. Essa também é uma arbitrariedade. Em primeiro lugar, não houve uma ordem de prisão, de captura. Entraram às 5h30 quando a mesma lei diz que não se pode entrar em nenhuma casa e capturar ninguém entre 18h e 6h. Violentaram novamente a Constituição, que determina que nenhum hondurenho pode ser expatriado. Ainda assim, o tiraram do país. Eles vinham armando muitas coisas. No Congresso Nacional, desligaram a energia elétrica às 6h. Às 10h de 28 de junho, os meios de comunicação saem do prédio lendo uma carta de renúncia do presidente datada do dia 25. A assinatura de meu marido foi falsificada. Temos visto como as Forças Armadas, a polícia, a Justiça e a Promotoria, e mesmo o Congresso Nacional, se confabularam para dar esse golpe de Estado.

O que a senhora espera em relação ao futuro de sua família, diante dessa situação?

O que eu espero é o retorno de meu marido ao meu país, o retorno à paz e à tranquilidade em Honduras. O retorno à ordem constitucional e o respeito aos seres humanos. Essa tranquilidade que foi violentada quando entraram em minha casa e tiraram meu marido de lá. Não apenas roubaram meu marido, mas a paz e a tranquilidade da minha família. Vamos seguir aqui, em resistência. Vamos continuar marchando com nossa gente. Vamos a todos os lugares onde houver uma manifestação, até que se cumpra a vontade do povo e que se faça justiça. Vamos seguir sendo a voz dos que não têm voz neste momento. Como família, estamos unidos depois de três semanas. Somente nos comunicamos por telefone.

A senhora teme pela segurança e pela integridade física de seu marido?
Eu temo pela segurança. Sei que a instrução que as Forças Armadas têm é que disparem para matar. Isso é totalmente claro. A ordem que eles têm é para disparar contra qualquer hondurenho. Então, temo pela vida do presidente, de minha família e de qualquer hondurenho. Eles têm assassinado jovens. Nos últimos três dias, vimos pessoas vagarem pelas montanhas. Os militares sitiaram as cidades, fecharam as fronteiras e proibiram que o povo receba água e alimentos. Os únicos alimentos que passam aqui são destinados à polícia e aos elementos das Forças Armadas. Estão desesperando a gente e essa é uma maneira de nos matar e de nos debilitar, de aumentar a repressão. Esperamos um apoio da Cruz Vermelha para transportar água e comida às pessoas. Estamos totalmente encurralados.

Como vê a atuação do presidente Lula, ao pedir pelo retorno de Zelaya ao poder?
Nós nos sentimos muito agradecidos. Ontem (sábado), o presidente Lula se comunicou diretamente com o presidente Zelaya. Eles têm estado em comunicação. A manifestação que temos obtido do Brasil, em relação à integridade física do presidente e dos demais hondurenhos, é igual à dos demais países. Na reunião do Mercosul, se estabeleceu que os países não reconheceriam o surgimento de um regime de fato. Esse é um respaldo que vemos com esperança, ao saber que nossos irmãos da América Latina e do mundo inteiro defendem o retorno à ordem constitucional. Isso nos enche de força e fortaleza para seguir em nossa marcha até o retorno do presidente Zelaya.