Há pouco mais de duas décadas, um encontro como este seria impensável. Dois jovens presidentes, um norte-americano e um russo, tentando "reiniciar" as relações entre os países que polarizaram o mundo por quase meio século. A promessa, feita por ambas as partes, é de que hoje, quando Barack Obama e Dmitri Medvedev se encontrarem em Moscou, os problemas do passado fiquem para trás em nome de um futuro de cooperação. Mas apesar de o tom amistoso dominar as declarações pré-encontro, alcançar um acordo em temas como o Irã, a redução dos arsenais nucleares e o escudo antimísseis a ser instalado no "quintal" russo exigirá bem mais do que um belo discurso.
A primeira demonstração de boa vontade entre os dois líderes veio um mês após a posse de Obama, quando a secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, entregou ao colega russo, Serguei Lavrov, um botão de "restart" (reinício) durante um encontro em Genebra. Nas últimas semanas, declarações positivas foram vistas dos dois lados. Medvedev elogiou o governo de Obama, destacando que ele tem se mostrado "disposto a mudar a situação, a construir relações mais efetivas e mais confiáveis". O presidente americano, por sua vez, disse acreditar que o colega russo entende que "chegou a hora de seguir em uma direção diferente".
Se as expectativas são boas para o encontro de Obama com Medvedev, o mesmo não pode ser dito sobre a reunião que o presidente americano terá com o primeiro-ministro russo, Vladimir Putin, amanhã. Na última semana, Obama disse que o premiê "tem um pé no antigo estilo de fazer negócios e um pé no novo estilo". "À medida que seguimos adiante com o presidente Medvedev, é importante que Putin entenda que a velha postura da Guerra Fria na relação entre Estados Unidos e Rússia está ultrapassada", disse o norte-americano. Putin respondeu em seguida: "Nós estamos firmemente sobre os dois pés e sempre olhamos para o futuro".
Arsenal
As conversas vão se centrar em temas que não são novidade para os dois países, como a negociação de um acordo que substituirá o Start-1 (Tratado de Redução de Armas Estratégicas), que expira em 5 de dezembro. O desafio é reduzir o arsenal nuclear de ambos os lados de forma que nenhum dos governos se sinta prejudicado - tarefa que exigirá bem mais tempo do que o breve encontro entre Obama e Medvedev. "Eles poderão chegar a acordar, no máximo, sobre o 'pano de fundo' de um tratado. Os detalhes, porém, terão de ser trabalhados a partir de agora", afirmou o especialista em Rússia do Council on Foreign Relations (CFR) Stephen Sestanovich, em entrevista ao Correio.
Atrelada à essa negociação, está a discussão do escudo antimísseis norte-americano, previsto para ser instalado no Leste Europeu. O projeto da administração Bush, considerado uma ameaça pelo governo russo, tem sido usado como objeto de barganha: Moscou não considera assinar o novo tratado de redução de armas sem uma posição definitiva de Obama sobre o escudo.
Ainda não deverá ser fácil chegar a um acordo pleno sobre Irã, já que o Kremlin pretende vincular também essa questão à desistência do projeto de antimísseis. "Obama já afirmou que as posições de EUA e Rússia sobre Irã e Coreia do Norte são muito parecidas. No entanto, existe uma divergência de opinião sobre as melhores formas de forçar o Irã a renunciar a suas ambições nucleares, e o governo russo deverá jogar com isso para conseguir atingir outros objetivos, como a renúncia de Washington ao escudo", destacou Edward Lozansky, presidente da Universidade Americana em Moscou.
Diante de tantos impasses, o chanceler russo antecipou aos mais eufóricos: "Nossa relação política se tornou muito adversa. Superar esse legado levará tempo". "Não quero dizer que estamos nos esquivando de atingir metas ambiciosas, mas é preciso saber o que é realmente possível alcançar", admitiu Lavrov.
Negociação
Assinado em julho de 1991, cinco meses antes do colapso da União Soviética, o Tratado de Redução de Armas Estratégicas diminuiu em um terço os arsenais nucleares de Estados Unidos e da Rússia. Agora, os dois países negociam um novo acordo, que começou a ser discutido em maio deste ano.
Proteção
Projeto criado durante o governo de George W. Bush, o escudo seria instalado na Polônia e na República Tcheca para interceptar possíveis mísseis lançados pelo Irã contra a Europa e os Estados Unidos. No entanto, a Rússia insiste que o escudo significa uma ameaça ao seu território.