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Governo Kirchner sofre baixas e revê planos para a segunda metade do mandato

Depois da derrota do Partido Justicialista (PJ, peronista) nas eleições legislativas do último domingo, na Argentina, a presidenta Cristina Kirchner bem que tentou desmentir as especulações de que seriam necessárias mudanças em seu governo. "Não vejo por que, pelo resultado das eleições, eu teria de fazer alguma mudança no gabinete", retrucou na segunda-feira. No entanto, ao longo da semana, deixaram o governo o chefe de Gabinete, as ministras de Saúde e Meio Ambiente e o titular dos Transportes (leia quadro). As razões apontadas para demissão ou renúncia variaram de malversação de fundos públicos a desentendimentos com a presidenta. Há também quem tenha colocado a cabeça a prêmio mesmo sem querer sair do cargo - caso do ministro de Justiça, Segurança e Direitos Humanos, Aníbal Fernández. "Coloquei minha renúncia à disposição da presidenta. Foi um gesto de respeito", declarou o ministro. O professor de Ciências Políticas Osvaldo Iazzetta, da Universidade Nacional de Rosário, explicou ao Correio, por telefone, que depois de uma grande derrota política é normal que os ministros ofereçam a renúncia, para que "fique nas mãos da presidenta aceitar ou não". Ele ressalta, porém, que os integrantes do gabinete "formam parte do núcleo duro do kirchnerismo(1), portanto não será fácil imaginar uma recomposição muito ampla no momento atual". Cristina aceitou a renúncia da ministra da Saúde, Graciela Ocaña, mudança que estava prevista desde antes da derrota eleitoral na renovação parcial do Congresso. Graciela se sentiu "desautorizada" em abril, quando a presidenta freou o avanço de uma lei que buscava declarar alerta epidemiológico nacional e emergência sanitária em áreas do país afetadas pela dengue, como a província de Salta, no norte. Depois, com o surto de gripe suína, a presidenta ficou insatisfeita com a incapacidade da ministra para impedir a expansão da doença - na conta da gestão de Graciela estão 28 mortos e 1.600 contaminados pelo vírus A H1N1. "Cristina também concordou com a renúncia do ministro dos Transportes, uma figura muito questionada por seus vínculos com empresas privadas do setor e que tinha muitas causas judiciais pendentes", afirmou o professor de ciências políticas. Por outro lado, a imprensa argentina especula que ocorram outras saídas, como a do ministro de Comércio Interior, Guillermo Moreno, responsável pela manipulação dos valores apresentados pelo Instituto Nacional de Estatística e Censos (Indec), que mede o custo de vida. Mudanças Iazzetta destaca que o resultado das eleições não se refletirá na composição do Congresso até dezembro. "Nesses seis meses, o governo deve aproveitar para apresentar projetos que terão maior dificuldade (de aprovação) quando a composição ficar desfavorável", prevê o analista. Outro ponto de interrogação é o futuro do peronismo, atualmente dividido entre kirchneristas e dissidentes. "Como responsável pela estratégia eleitoral que levou à derrota, Néstor não vai influir muito na recomposição do partido", diz Iazzetta. Para ele, os governadores saíram fortalecidos e terão um papel maior na reorganização do peronismo, que deve perder a "condição centralizada e verticalizada" na figura de Néstor Kirchner, que renunciou à Presidência do partido após o revés. Depois de dezembro, Cristina terá mais dois anos de mandato. Precisará negociar e buscar consenso para não perder a governabilidade, diante do fortalecimento da oposição. Mesmo dentro do PJ, Iazzetta lembra que a presidenta poderá encontrar obstáculos, como o de "dirigentes peronistas que não se viram afetados em seu distrito pelas eleições (legislativas), mas que não querem ser confundidos com um governo que sofreu um duro revés e enfrenta crescente desconfiança dos cidadãos". Talvez os kirchneristas encontrem algum alento nas palavras do ministro da Justiça. "Conta a lenda que Churchill (ex-premiê britânico) disse certa vez à equipe: 'Vocês têm cinco minutos para ficarem deprimidos'. E é mais ou menos assim que a gente tem de viver essas coisas", disse Alberto Fernández. 1.SIGLA FRAGMENTADA O justicialismo, corrente fundada nos anos 1940 pelo caudilho Juan Domingo Perón, sobreviveu a uma série de golpes militares, inclusive a ditadura de 1976 a 1983. Desde então, afastou-se das raízes e fragmentou-se entre caciques regionais. Foi dominado nos anos 1990 pelo menemismo, variante neoliberal fiel ao ex-presidente Carlos Menem. Néstor e Cristina Kirchner levaram o peronismo de volta ao poder com o projeto de fundir uma vez mais caudilhismo e populismo. DANÇA DAS CADEIRAS Quem sai e quem fica na equipe de Cristina Kirchner # Alberto Fernández - Chefe de Gabinete Foi peça-chave nas distintas fases do conflito com os produtores rurais, pelas propostas de aumento dos impostos sobre a exportação de grãos. Na carta de renúncia, afirmou que desde 25 de maio de 2003, quando assumiu o cargo no mandato do ex-presidente Néstor Kirchner, estava protagonizando "uma profunda mudança da realidade argentina". Assume em seu lugar Sergio Massa, ex-diretor da seguridade social. # Ricardo Jaime - Ministro dos Transportes Renunciou em 1º de julho e responde a mais de 30 processos judiciais por corrupção e outras irregularidades. Em seu lugar entra Pablo Schiavi, ex-filiado à União Cívica Radical (UCR), adversária histórica do justicialismo. Até aqui, ele era responsável pela Administração de Infraestruturas Ferroviárias do Estado (Adif). # Graciela Ocaña - Ministra da Saúde Entrou em conflito com Cristina sobre a definição de estratégias para combater a dengue e a gripe suína. Será substituída por Juan Manzur, ex-governador da província de Tucumán. # Romina Picolotti - Ministra do Meio Ambiente A presidenta ficou insatisfeita com a gestão de Picolotti à frente da pasta e decidiu entregar o cargo para Homero Bibiloni. A ex-ministra gastou apenas 40% do orçamento reservado ao Meio Ambiente, e mais de US$ 70 mil foram destinados a viagens internacionais para membros da equipe.