O documento é uma maneira de a Cruz Vermelha celebrar o aniversário de 150 anos da Batalha de Solferino e chamar atenção aos oito ;solferinos; da atualidade: Afeganistão, Colômbia, Congo, Geórgia, Haiti, Líbano, Libéria e Filipinas. ;Há diferenças chocantes entre o modo como os civis testemunham a guerra hoje, comparado há 150 anos em Solferino, onde a ideia de nossa entidade surgiu;, disse o diretor de operações da Cruz Vermelha, Pierre Kr;henbühl. ;Em Solferino, houve 40 mil soldados mortos e feridos, e apenas um civil na batalha. Hoje é o contrário, 60% dos afegãos entrevistados disseram que foram afetados diretamente pelo conflito nos últimos anos;, destacou.
O deslocamento forçado afeta 76% das pessoas no Afeganistão. Na Libéria, 69% já perderam algum parente nas frentes das guerrilhas. No Haiti, 44% dos civis admitiram ter sofrido violência sexual. O relatório também destaca o impacto econômico sobre os cidadãos dos diferentes países. ;Muitos perderam sua fonte de renda devido ao conflito armado, sendo mais da metade das pessoas no Afeganistão e no Líbano e dois quintos no Haiti;, diz o texto.
;A novidade desta pesquisa é que ela nos dá uma visão mais abrangente de como as vítimas de conflitos armados e violência são atingidas;, afirmou Kr;henbühl. ;Esses dados representam milhões de pessoas que estão lutando pela sobrevivência de seus filhos, são pessoas que foram ameaçadas e obrigadas a fugir de seus vilarejos ou que vivem sob o constante medo de que alguém de quem elas gostam seja morto, atacado ou desapareça. Isto é muito preocupante.;
Cultura
Algumas questões revelam dados culturais marcantes do conflito em cada país. Quando a questão dizia respeito ao maior medo numa situação de conflito armado, a maioria dos entrevistados nos oito países indicou que seria perder um ente querido. Mas, na Colômbia, esse medo é maior: representa 68% da população. O medo de sofrer violência sexual é menor nos países de maioria muçulmana (apenas 8% no Afeganistão e 3% no Líbano) e maior nos países africanos (36% no Congo e 22% na Libéria).
O Afeganistão revelou outro dado curioso: a maior parte dos entrevistados (37%) tem mais receio de não ter como sustentar a família do que de perder um familiar no conflito. É o país onde também os nacionais mais temem não continuar os estudos (21%). Quando o medo é ficar sem acesso a itens básicos, como água e eletricidade, os congoleses (22%) e os libaneses (11%) são os primeiros da lista.
Testemunhar conflitos armados no país também fez diminuir o sentimento de vingança dos afegãos (37%), georgianos (39%), haitianos (54%) e liberianos (52%). Por outro lado, também afetou a confiança dos entrevistados. A maioria diz que se sente menos confiante: afegãos (43%), colombianos(2) (53%), georgianos (67%), haitianos (49%), libaneses (54%) e liberianos (42%).
De acordo com o relatório, as pessoas que vivem nas áreas de conflito têm o hábito de pedir mais ajuda a quem vive ;mais perto de casa;. Em todos os países, os entrevistados afirmaram que as suas famílias e comunidades foram as primeiras a lhes dar assistência e entendiam melhor suas necessidades. ;Precisamos fazer o possível para fortalecer a capacidade das comunidades de enfrentarem os conflitos armados;, ressaltou Kr;henbühl.
Combates decisivos
Em 24 de junho de 1859, o empresário suíço Henry Dubant presenciou uma das mais duras batalhas do século 19, quando as tropas da França e da Sardenha enfrentaram os austríacos no norte da Itália, em Solferino. Foi uma batalha decisiva pela independência de reinos italianos em relação ao Império Austro-Húngaro. Mais de 200 mil soldados lutaram em ambas as frentes.
Cerca de 13 mil ficaram feridos e 11 mil, desaparecidos ou capturados. Dubant, motivado pelo sofrimento dos soldados, escreveu o livro Uma memória de Solferino e iniciou uma campanha que resultaria na Convenção do Direito Humanitário e na criação da Cruz Vermelha, em 1863.
Sob a rotina da violência
O conflito pelo poder do país dura quatro décadas e deixou mais de 60 mil mortos, 4 mil desaparecidos e cerca de 3 milhões de deslocados. As principais guerrilhas de esquerda, Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) e Exército de Libertação Nacional (ELN), começaram a disputar o governo pelo caminho da luta armada na década de 1960.
Ambas foram confrontadas pelo Exército e por grupos paramilitares, como as Autodefensas Unidas de Colombia (AUC). As AUC se desmobilizaram e o ELN praticamente sumiu. As Farc perderam muito do conteúdo ideológico, mas assolam várias regiões, recorrendo inclusive a sequestros.