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Ronald Biggs está a um passo da liberdade

Painel responsável por analisar risco representado por presos concede aval à libertação do assaltante do trem pagador, que pode ocorrer no próximo dia 3

O futuro de Ronald Biggs está nas mãos do ministro da Justiça britânico, Jack Straw. O italiano Giovanni Di Stefano, advogado do homem condenado pelo assalto ao trem pagador, recebeu na sexta-feira o sinal verde do Parole Board %u2014 painel independente criado em 1968 que tem a função de avaliar o risco representado por prisioneiros para decidir se podem ser libertados antes do cumprimento da pena. Se Straw seguir a decisão do órgão, Biggs será solto em 3 de julho. Em documento obtido com exclusividade pela reportagem, o Parole Board afirma ter analisado o caso em 15 de junho passado e considera "muito pobre" o estado de saúde do prisioneiro de Norwich. "Seu futuro risco tem sido profundamente afetado pelas deficiências físicas", explica. "Os derrames que ele tem sofrido o privaram da fala e da habilidade de engolir. Ele se alimenta por tubos e se comunica por meio de gestos e de um painel com o alfabeto. Sua mobilidade é limitada", acrescenta o documento. O Parole Board revela que Biggs foi colocado em um grupo de criminosos no qual 4% reincidem em dois anos, mas sustenta a baixa probabilidade de ele burlar a lei. Segundo o organismo, o britânico de 79 anos ficará em um asilo em Londres já identificado e aprovado pelas autoridades. "Ao levar em conta esses fatores, o painel está convencido de que o risco que ele representa é gerenciável e, consequentemente, recomenda sua liberdade", conclui. Em entrevista ao Correio, o empresário e músico Michael Biggs, de 34 anos, afirmou que não vai celebrar a libertação de seu pai até que Straw assine a soltura. "Eu sou brasileiro e minha esperança é a última que morre", disse o ex-integrante do grupo Balão Mágico. "Sei que é impossível o ministro contrariar a decisão do Parole Board, mas é o Biggs nessa história, né? E tudo pode acontecer". Excessos Mike acredita que a pena recebida pelo pai não condiz com o crime cometido e denuncia excessos. "Minha família passou provações muito ruins aqui. O Departamento de Imigração foi extremamente agressivo com minha mulher e minha filha, e eu fui expulso do Reino Unido quatro vezes", desabafa. "Um terrorista tem seis meses para apelar. Eu tive seis semanas. Foi o caso mais rápido de recusa dos direitos humanos na história do país". De acordo com ele, o pai está esperançoso. "A gente quer ver a tinta no papel. Com a tinta lá, começaremos a celebrar". Por sua vez, Di Stefano disse ao Correio que a libertação de Ronnie Biggs será o triunfo do senso comum. "Essa é minha maior vitória, já que o senhor Biggs vai ser solto cinco anos mais cedo do que ele teria sonhado", comenta. Segundo o advogado, que também representou o ex-ditador iraquiano Saddam Hussein, um dos bandidos mais famosos do Reino Unido viverá o resto de seus dias "com dignidade, compaixão e ao lado da família". Di Stefano conversou com o cliente na sexta-feira e garante que ele compreendeu a decisão do Parole Board. O advogado confidenciou que foi mais difícil defender Biggs do que Saddam. Di Stefano teve de convencer o Ministério da Justiça a aplicar uma lei antiga, a fim de que o britânico fosse solto após cumprir um terço da pena de 30 anos, e não metade dela. "Foi duro porque o assalto ao trem pagador é um ícone da história criminal britânica", admite. Em 41 anos de história do Parole Board, jamais um ministro da Justiça se opôs à decisão do órgão. Michael Biggs, filho de Ronald e ex-integrante do grupo Balão Mágico, fala sobre o caso Memória O criminoso que virou mito A história e a figura de Ronald Biggs se confundem com o assalto ao trem pagador. Em 8 de agosto de 1963, Biggs e 14 homens usando máscaras de esqui e capacetes, e armados com barras de ferro e pés de cabras, invadiram a locomotiva postal que fazia a linha entre Glasgow (Escócia) e Londres. Sob o comando de Bruce Reynolds (mais tarde condenado a 10 anos de prisão), os criminosos levaram 120 sacolas com mais de 2,6 milhões de libras esterlinas. Durante a ação, o maquinista foi espancado na cabeça com uma barra de ferro e perdeu a consciência. No tribunal, Biggs contou que a batida foi leve e não demonstrou remorso. Capturado, ele fugiu da prisão HMP Wandsworth com a ajuda de prisioneiros e comparsas, em 1965, e escapou para a França, onde se submeteu a uma cirurgia plástica. Depois, mudou-se para Espanha e Austrália. A fuga para o Brasil ocorreu em 1969, quando as autoridades australianas o rastrearam. Ronald Biggs viveu em meio ao conforto e ao luxo no Rio de Janeiro. Ali, ele conheceu e engravidou Raimunda de Castro. Da união, nasceu Michael Biggs, de 34 anos. Ronald e Raimunda só se casaram em 2002. Foi no Rio que construiu parte da fama: era o anfitrião de badaladas festas e estampou xícaras de café e camisetas, comercializadas nos pontos turísticos. O destino mudou em 2001, quando decidiu retornar ao Reino Unido, em busca de tratamento médico. Ciente de que poderia ser preso, avisou a Scotland Yard (polícia britânica) sobre a viagem. Ao desembarcar em Londres, em 7 de maio daquele ano, foi capturado.