O geólogo italiano Gaetano Di Achille, da Universidade do Colorado em Boulder, descobriu que Marte abrigava um imenso lago, cinco vezes maior que o Paranoá. Em entrevista ao Correio, ele explicou o achado e confirmou que a ciência pode estar mais próxima de achar sinais de vida no Planeta Vermelho.
Como o senhor descobriu o lago em Marte e que tipos de instrumentos foram usados na detecção?
Eu descobrir a pista desse lago dois anos atrás, usando imagens feitas pela Câmera Estéreo de Alta Resolução (HRSC, pela sigla em inglês), a bordo da sonda europeia Mars Express. No entanto, naquela época eu não podia ver a linha costeira na superfície do planeta. Por isso, a existência do lago poderia ter sido questionável. Poucos meses atrás, o instrumento Experimento Científico de Imagens de Alta Resolução (HRSIE) começou a orbitar Marte, por meio da sonda Mars Reconnaissance Orbiter. Essa câmera permitiu detectar objetos de até um metro na superfície de Marte. Com esses dados, nós temos finalmente confirmado a existência do lago, ao detectar sua antiga linha costeira. O lago está extinto agora e ficou ativo 3 bilhões de anos atrás. O que podemos ver agora são somente traços que ele deixou na superfície do planeta.
Que traços são esses e em que região eles foram localizados?
O lago está localizado na região de Shalbatana Vallis: um vale de mais de 1.300km de comprimento, situado aproximadamente ao longo do Equador de Marte. As evidências do lago são representadas, acima de tudo, pela presença de poucos depósitos sedimentares deltaicos, acidentes geográficos que tipicamente se formam na Terra quando um rio entra em um corpo de água permanente (por exemplo: os deltas dos Rios Nilo e Mississippi). Com os dados de alta resolução, detectamos a evidência de antigas linhas costeiras do lado sobre a superfície desse delta.
É possível estabelecer uma ligação entre este lago e uma possível existência de vida passada em Marte?
Se a vida alguma vez surgiu em Marte, certamente o local deste antigo lago e especialmente seus sedimentos são bons locais candidatos a investigação para assinatura biológica. De fato, na Terra, sedimentos de lagos e deltas são os melhores coletores e preservadores de sinais de vida passada. Aí está a ligação: o material encontrado no lago pode ter enterrado pistas de vida passada. Definitivamente, os padrões que temos visto neste local de Marte são análogos às formas geográficas tipicamente relacionadas ao fluxo de água em nosso planeta. Sobre a vida%u2026 Nossa reconstrução sugere que o lago durou pelo menos milhares de anos. Nele, a vida pode ter surgido em uma forma muito simples. Se a vida existiu em algum lugar em Marte, o lago e seus sedimentos podem ter coletado e preservado materiais biológicos por meio da erosão e do transporte de sedimentos das redondezas.
Que impactos o senhor acredita que essa pesquisa terá sobre o conhecimento científico?
Outros deltas e formações relacionadas à água, incluindo lagos, têm sido reconhecidos em Marte. Pela primeira vez vimos claramente a evidência de linhas costeiras antigas. Isso confirma que havia água em Marte. Acreditamos que a água possa ter desaparecido do planeta 3,7 milhões de anos atrás. Nós mostramos que este lago se formou algumas centenas de milhões de anos além daquele limite, sugerindo que as condições para a existência de água no planeta podem ter durado mais do que imaginávamos.