É um mal silencioso, que assume as formas da fome ou de doenças, mas também se esconde nos ciclones, enchentes e ondas de calor. Impiedoso, ataca principalmente a população mais miserável do planeta. Pelo menos 315 mil pessoas já morrem ao final de cada ano e 325 milhões sofrem os graves efeitos de uma catástrofe em marcha. Os prejuízos anuais se aproximam dos US$ 125 bilhões. Dos 6 bilhões de seres humanos, 4 bilhões estão vulneráveis ; 500 milhões deles enfrentam risco extremo. Mais de 12 milhões de pessoas foram arremessadas pelo aquecimento global na situação da pobreza. O clima é o responsável por 26 milhões dos 350 milhões de refugiados no mundo.
Apenas algumas das conclusões do Relatório de impacto humano: Mudança climática ; a anatomia de uma crise silenciosa, publicado ontem pelo Fórum Humanitário Global, são suficientes para alertar o mundo, às vésperas da Conferência sobre o Clima de Copenhague, que ocorre entre 6 e 18 de dezembro e terá o propósito de abrir caminho para um tratado que sucederá o Protocolo de Kyoto.
Em 127 páginas, o estudo divulgado pela organização internacional presidida por Kofi Annan, ex-secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), e sediada em Genebra, é o primeiro documento a revelar, com detalhes, o impacto das mudanças climáticas no planeta e a advertir sobre os riscos da inação. ;Até o mais ambicioso acordo climático levará anos para desacelerar ou reverter o aquecimento global. (%u2026) As emissões estão crescendo de forma sustentável, e a população mundial deve aumentar em 40% até 2050;, sublinhou Annan, na introdução do relatório. ;Se não revertermos as tendências atuais até 2020, poderemos ter falhado;, acrescentou o ganense.
Annan define a mudança climática como ;uma crise humana silenciosa; e o maior desafio humanitário emergente da atualidade. O relatório admite ser desafiador o isolamento do impacto humano da mudança climática de outros fatores, como variação natural, crescimento populacional, uso da terra e governança. ;Em muitas áreas, a base de evidência científica ainda não é suficiente para se fazer estimativas definitivas com grande precisão sobre os impactos humanos da mudança climática. (%u2026) Esse relatório, baseado no mais confiáveis dados científicos, projeta o número de pessoas seriamente afetadas, vidas perdidas e perdas econômicas devido à mudança climática;, afirma o texto.
Justiça global
O estudo confirma a vulnerabilidade física e socioeconômica das populações mais pobres do planeta. ;É uma grave preocupação de justiça global o fato de que aqueles que mais sofrem com a mudança climática têm feito menos para provocá-la. Os países em desenvolvimento carregam nove décimos da carga da mudança climática: 98% dos seriamente afetados e 99% de todas as mortes relacionadas a desastres meteorológicos, com 90% do total de perdas econômicas;, alerta o relatório.
Para o neozelandês Kevin Trenberth, autor de um dos relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, pela sigla em inglês) e cientista do Centro Nacional de Pesquisas Atmosféricas (Ncar) dos Estados Unidos, o cálculo de 300 milhões de pessoas afetadas pelas mudanças climáticas foi subestimado. ;O clima está mudando a partir das atividades humanas, e todas as pessoas já são atingidas;, afirmou ao Correio, por e-mail.
O meteorologista vê duas opções para o planeta lidar com o problema: parar ou desacelerar o fenômeno ou simplesmente reconhecer sua existência e se preparar para ele. Trenberth reconhece que a mitigação é uma parte do problema, mas não a solução. ;A adaptação (planejamento) é essencial;, explica. A omissão custaria caro. ;Os conflitos humanos e a perda de vidas aumentarão, decorrentes de um parco planejamento;, prevê Trenberth. Pelo menos 40% dos confrontos em todo o globo estão ligados a disputas pelos recursos naturais, segundo o relatório.