O escritor peruano Mario Vargas Llosa, expoente da literatura latino-americana, desafiou nesta quinta-feira, em Caracas, o presidente Hugo Chavez, dizendo que a Venezuela pode se transformar em "ditadura comunista", na "segunda Cuba da América Latina", se o país continuar se afastando da democracia.
"Não há nenhuma dúvida que o país se aproxima de uma ditadura comunista", declarou o escritor, de 73 anos, na abertura de um fórum internacional sobre liberdade e democracia, que será concluído nesta sexta-feira na capital venezuelana.
Durante a intervenção, Vargas Llosa, candidato derrotado da direita à presidencial de 1990 no Peru, acusou o dirigente venezuelano de ter reduzido as "liberdades públicas, a liberdade de imprensa, de mercado, e de tudo sobre o que se baseia a cultura democrática" em seu país.
Eleito presidente em 1998, impulsionando um plano de nacionalizações, Chavez saiu vitorioso recentemente num referendo autorizando-o a se apresentar indefinidamente ao pleito presidencial.
"Se este caminho não for interrompido, a Venezuela se converterá numa segunda Cuba da América Latina. Não devemos permitir. É por isso que estamos aqui", afirmou o escritor, ele próprio, no começo, um admirador da "revolução" cubana, da qual tornou-se, depois, um feroz oponente.
"Ainda há espaços de liberdade no país e é preciso aproveitá-los se não quisermos que a Venezuela deixe de ser uma sociedade democrática e se converta em ditadura comunista", insistiu o escritor.
Segundo Vargas Llosa, há uma recente "radicalização do regime" venezuelano, um "temor crescente a toda a espécie de crítica" que provoca uma redução das "liberdades públicas".
"Os espaços são cada vez menores. A ameaça de um apagão no campo das liberdades de imprensa e expressão cresceu muitíssimo", insistiu, admitindo, no entanto, que sua presença em Caracas era "prova" de que ainda é possível expressar-se livremente na Venezuela.
O escritor peruano, no entanto, fez referência "à perseguição e às ameaças por parte do governo à rede de televisão privada Globovisión" e à redução das atribuições dos "prefeitos e governadores eleitos em pleitos legítimos", fazendo com que alguns "recorram ao exílio", o que trouxe à baila a figura do prefeito de Maracaibo (oeste), Manuel Rosales, exilado no Peru.
O escritor peruano, também admitiu ter passado "um mal pedaço" no aeroporto de Caracas na quarta-feira, quando foi advertido do risco de expulsão se falasse alguma coisa contra o governo.
Mas usou um tom áspero para falar do momento político vivido na Venezuela onde, segundo ele, os resultados das últimas eleições foram "um desacerto".
"O fato de haver eleições livres de nenhuma maneira garante que o resultado delas seja positivo. Alguns dos piores ditadores conhecidos pela humanidade chegaram ao poder através de eleições, como Hitler", citou, sem fazer comparações.
"Não há como se enganar, há ditadores que são muito populares. Há povos inteiros que sucumbem e se deixam castrar do ponto de vista moral e político. Vimos na América Latina. Hoje (essa tendência) foi reduzida à mínima expressão mas está aí", explicou, sem dar exemplos.
Em relação ao referendo de 15 de fevereiro na Venezuela, no qual foi aprovada a reeleição presidencial continua, Vargas Llosa considerou que foi "uma decisão equivocada", como acontece com qualquer outra votação que permita a um governante "eternizar-se no poder".
Sobre as últimas decisões de Chávez no setor de política econômica, Vargas Llosa considerou que a "propriedade social" em lugar de propriedade privada é de deixar os cabelos em pé e "satanizar o empresário privado é política suicida" porque vai contra a prosperidade das nações.
O encontro internacional do que participou reuniu 50 personalidades venezuelanas e estrangeiras como Vargas Llosa, o ex-presidente boliviano Jorge Quiroga ou o ex-chanceler mexicano Jorge Castañeda.
Do lado de fora do hotel de Caracas onde se celebrava o fórum internacional, uma centena de adeptos do governo realizou um protesto, divulgando o programa de Chávez em alto-falantes.
O incidente de quarta-feira com Vargas Llosa, no aeroporto da Venezuela, quando seu passaporte foi apreendido por várias horas pelas autoridades locais, foi motivo de polêmica no Peru.
O presidente Alan Garcia, que mantém relações tempestuosas com o colega venezuelano, demonstrou publicamente sua indignação nesta quinta-feira.
"Não posso acreditar que tentaram pôr mordaças num homem com um tal prestígio e que, essencialmente, defende a liberdade e a democracia", reagiu Garcia.