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Somália: o pesadelo americano

Militantes islâmicos disparam morteiros contra avião de congressista dos Estados Unidos, um dia após soldados matarem piratas e salvarem capitão. Incidente abre frente de combate e preocupa Washington

Com 1.480km de comprimento e 480km de largura, o Golfo de Áden se transformou em um pesadelo para o Ocidente. Mais de 2 mil piratas partem das cidades litorâneas de Hobiyo, Haradhere, Eyl e Garad a bordo de lanchas rápidas, sequestram embarcações estrangeiras e exigem resgates milionários. No domingo, atiradores de elite norte-americanos mataram três criminosos e libertaram Richard Philips, capitão do navio Maersk Alabama ; o cargueiro tinha sido capturado em 8 de abril passado. Além disso, a porção do Mar Árabe separa a Somália do Iêmen, o mais novo bastião da rede terrorista Al-Qaeda, de Osama bin Laden. O possível revide à morte dos piratas quase ocorreu 600km a leste, em Mogadíscio, e não partiu de piratas. Os militantes islâmicos do grupo Xarakada Al-Shabaab Al-Mujaahidiin dispararam seis morteiros contra o avião que levava o congressista democrata Donald Payne, no aeroporto da capital somali. Por sorte, nenhum atingiu o líder do Subcomitê para Assuntos Externos da África da Câmara dos Deputados. ;Nós compreendemos que um morteiro aterrissou em seu avião, mas ninguém se feriu;, afirmou à TV CNN Kerry McKenney, porta-voz de Payne. O ataque abriu nova frente de combate, ameaçou afundar os EUA no lamaçal político-institucional do país e trouxe à tona as memórias de 4 de outubro de 1993, quando as forças do senhor da guerra Muhammed Aideed impuseram uma derrota fragorosa ao Pentágono. Líder do projeto de pesquisa Pirataria no Áden ; do Instituto Norueguês para Pesquisa Regional e Urbana (Nibr, pela sigla em inglês) ; e especialista em Somália, Stig Jarle Hansen aconselhou os Estados Unidos a caminharem na ;corda bamba;. ;O uso do poder militar, por parte da Casa Branca, para atacar os piratas ou extremistas lhes dará legitimidade aos olhos da população somali;, explicou o analista, que retornou de Mogadíscio no sábado. Em entrevista ao Correio, pela internet, ele criticou os EUA por usarem os recursos disponíveis, inclusive contatos regionais, no combate aos radicais islâmicos, menosprezando a luta contra a pirataria. Stig Hansen afirmou que recentes manobras políticas podem estimular uma aliança entre os ;corsários modernos; e os muçulmanos. ;Isso era algo improvável de ocorrer. Mas as negociações territoriais entre Quênia e Somália tornaram essa união possível;, explica. ;Os extremistas expressam que os piratas são os mujahedin (guerrilheiros islâmicos) do mar.; Às concessões feitas pelo governo somam-se um país fragmentado pela guerra civil, a impunidade reinante e a influência da Al-Qaeda. Segundo o norueguês, o Xarakada Al-Shabaab Al-Mujaahidiin tem conexões com a rede de Bin Laden. Em 2 de março, dois mísseis norte-americanos atingiram um campo de treinamento terrorista no sul da Somália e supostamente feriram o militante da Al-Qaeda Salih Ali Salah Naban. ;A Somálita tem recebido guerrilheiros estrangeiros, e a Al-Qaeda pode usar o Al-Shahaab para levantar bases no país;, disse Hansen. Segundo ele, rumores em Mogadíscio indicam que a facção Al-Tawheed, do Iêmen, enviou 100 guerrilheiros à Somália. Resgate Por telefone, o Correio falou com Ali Abdi Aware, ex-ministro das Relações Exteriores de Puntland, região autônoma do nordeste da Somália que abriga as bases dos piratas. O ex-chanceler defendeu uma ação conjunta contra a pirataria. ;É preciso banir o pagamento de resgate. Os piratas querem mais dinheiro, e mais dinheiro só vai encorajá-los a novos sequestros;, observou. Aware lembrou que o presidente Sharif Ahmed ; eleito em 31 de janeiro ; controla apenas Mogadíscio e não tem poder sobre o resto do país. Onde os piratas atacam