Se uma espaçonave tripulada pudesse pousar em Marte hoje, encontraria muito mais que um ambiente desértico. Ao escavarem a superfÃcie no Polo Norte do planeta vermelho, os astronautas se deparariam com ;piscinas; de água salgada, a poucos metros do solo. Mesmo que os bolsões de lÃquido pudessem ser totalmente expostos e a falta de oxigênio não fosse letal, um mergulho representaria a morte: a temperatura da água estaria em torno dos 70 graus centÃgrados abaixo de zero.
Um brasileiro está por trás da nova descoberta em relação a Marte. Professor de ciências espaciais, oceânicas e atmosféricas da Universidade de Michigan, o paulista Nilton Rennó apresentou as conclusões durante a Conferência de Ciência Planetária e Lunar, em Houston (Texas), na última segunda-feira. Em entrevista ao Correio, por telefone, ele contou que sais presentes no solo de Marte derretem mais facilmente que o gelo ; o que referenda a existência das piscinas.
;As temperaturas do subsolo de Marte são suficientes para fazer com que os percloratos de sódio, de magnésio ; ambos encontrados em grande quantidade ; e de potássio derretam, formando uma camada lÃquida de água muito salgada;, explicou Rennó. O tamanho e a profundidade das ;piscinas; dependem do nÃvel de sal, de uma fonte de água que estaria um pouco abaixo da superfÃcie e da temperatura mÃnima. Segundo o especialista, essas condições estão presentes em grande parte do planeta. ;As descobertas foram feitas no Polo Norte. Encontramos pistas de água em pontos do equador marciano. Pensávamos que fosse argila, mas vimos que os sais absorvem água e formam hidratos.;
Rennó viu os primeiros sinais do lÃquido no planeta em julho de 2008. Ao observar uma das fotos feitas pela sonda espacial Phoenix, da agência espacial norte-americana (Nasa), ele observou gotas d;água sob a nave. Era preciso consenso entre os colegas e o trabalho só foi submetido em 7 de fevereiro. ;A próxima etapa foi descobrir o sal. Parti da premissa de que a água é lÃquida e o sal derrete à temperatura existente em Marte. Por meio de um trabalho teórico, mostrei que isso é muito fácil de ocorrer.;
O brasileiro e seus colegas buscaram compreender a termodinâmica dos percloratos. ;A gente começou a monitorar imagens de gotas no trem de pouso da Phoenix e vimos que elas absorviam água da atmosfera e cresciam. Isso só é possÃvel se você tiver um desses sais;, lembra. O Analisador de Condutividade, EletroquÃmica e Microscopia (Meca) da sonda detectou grande quantidade de perclorato de sódio no solo.
Artigo
Em colaboração com o Instituto de Astrobiologia da Espanha, Rennó escreveu um artigo detalhando experimentos que simularam as condições para que os sais formem uma massa lÃquida. O resultado será submetido à revista Science e o brasileiro garante que os testes validam a tese. No momento, ele trabalha com europeus na criação de um instrumento para vasculhar os percloratos e as camadas lÃquidas.
Questionado sobre a possibilidade de o planeta abrigar vida, Rennó lembra que a água lÃquida é premissa. ;A vida como conhecemos não gosta de ambientes salgados, mas é possÃvel uma forma bem diferente. Com base no que vemos na Terra, sabemos que a vida se adapta muito facilmente a condições extremas.;
» Ãudio: ouça entrevista com o cientista Nilton Rennó