Jornal Correio Braziliense

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Contra a crise: greve à francesa

Sindicatos franceses revivem os tempos de grande influência e colocam milhões nas ruas em jornada nacional de paralisação e protestos para exigir do governo medidas em defesa do emprego e dos salários

Mais que os números, foi a presença em massa dos trabalhadores do setor privado, em especial da indústria automobilística e outras áreas castigadas pela crise, que fez a diferença nas ruas de toda a França, ontem. As centrais sindicais contabilizaram 3 milhões (e a polícia 1,2 milhão) de manifestantes nas marchas e concentrações que acompanharam, por todo o país, a segunda greve nacional convocada para cobrar do governo medidas de proteção ao emprego e ao poder de compra dos salários. O governo direitista do presidente Nicolas Sarkozy e do premiê François Fillon descartou a possibilidade de emendar seu plano anticrise, mas mesmo a imprensa conservadora admitiu que a sociedade francesa se reencontrou com sua tradição militante. ;As vítimas diretas da crise foram às ruas;, foi o comentário do jornal Le Figaro. No campo oposto, o entusiasmo era indisfarçável. ;O governo não poderá se contentar apenas com repetir que não vai mexer em mais nada, como Fillon acaba de dizer;, desafiou a central cristã CFTC, em geral mais amena com os gabinetes de direita. A coesão sindical acima de diferenças políticas foi outra marca de sucesso, que os dirigentes parecem determinados a manter: a comunista CGT, a maior central, e a Força Operária, também alinhada à esquerda, aceitaram esperar pelo 1; de maio para a próxima jornada nacional, mas articulam alternativas de consenso. Depois de desfilarem juntos pela capital, hoje os oito líderes sindicais se reunirão em Paris para analisar a proposta de promover nas próximas semanas concentrações regionais, principalmente onde as empresas anunciaram ou programam demissões e férias coletivas. Foi justamente a mobilização na indústria, tendo à frente os mais novos desempregados, que ajudou a ;interiorizar; a paralisação de ontem, em comparação com a promovida em janeiro ; quando já ficou evidente que a crise tirou do setor público o centro de gravidade do sindicalismo. Na ocasião, os sindicalistas contabilizaram 2,5 milhões de manifestantes. A imprensa e os analistas franceses destacaram as concorridas marchas em cidades médias, como Grenoble, onde as férias coletivas na Caterpillar levaram ontem 50 mil às ruas. Mesmo nos grandes centros, marcaram presença bases sindicais de empresas atingidas pela crise, como a petroleira Total e a rede varejista Carrefour. A greve propriamente dita foi mais pronunciada nos setores tradicionalmente mais, como transportes coletivos, em especial os trens, funcionalismo público e educação. Embora menos generalizada que a paralisação de janeiro, a de ontem foi considerada mais abrangente e significativa. O primeiro-ministro, que anunciou em fevereiro um tímido pacote de estímulo à economia, no âmbito de uma ;cúpula de conciliação; com os dirigentes sindicais;, foi à televisão avisar que reconhece ;a inquietação legítima; dos trabalhadores, mas não cogita ;nenhum pacote adicional;. A aparente perplexidade do premiê e da confederação empresarial Medef não escapou à observação de François Chér;que, dirigente da central socialista CFDT: ;O silêncio completo do governo e do patronato não deveria ser a resposta, sob risco de se agravar ainda mais a crise social;. À esquerda A mudança dos ventos não passou despercebida à oposição política. Embora abatida e em crise de identidade, a esquerda francesa recuperou o velho elã e tratou de passar à ofensiva, de olho nas eleições europeias deste ano. Ségol;ne Royal, derrotada por Sarkozy no segundo turno da eleição presidencial de 2006 e no ano passado preterida na disputa pelo comando do Partido Socialista, acusou o governo direitista de ;incompetência; e ;arrogância;. Até o debilitado Partido Comunista Francês (PCF), que mal pôde constituir um bloco parlamentar depois das últimas eleições legislativas, apontou o ;mutismo da direita governista; como ;um insulto ao sofrimento dos homens e mulheres que esperam do premiê uma política para as maiorias, não para os amigos do presidente;.