O infectologista britânico Philip Goulder (foto), da Oxford University, descobriu que o HIV, vírus da Aids, sofre mutações diferentes em cada região do planeta e se molda para responder às reações do sistema imunológico das distintas populações. Em entrevista ao Correio, ele falou sobre a pesquisa e alertou que a evolução do vírus pode atrapalhar a eficiência de uma eventual vacina.
Como o senhor descobriu que mutações do HIV dependem da genética dominante em cada região do planeta?
Nós estavamos nos propondo a determinar se as mutações do vírus que permitem ao HIV anular as respostas das células de defesa T estão se acumulando ao longo do tempo. Um método seria comparar as sequências virais do início da epidemia com as que estão circulando agora ; mas há muito poucas sequências disponíveis do início da epidemia. O segundo método seria estudar diferenças populações onde os genes do antígeno do leucócito humano (HLA) ; importantes para a resposta imune contra o HIV ; diferem de modo significativo de uma população para outra. Nós observamos nove diferentes grupos na América do Norte, Caribe, Europa, sul da África, Perth (Austrália) e Japão, representando populações geneticamente muito distintas. Nas populações em que os genes HLA eram mais comuns, o HIV mutante era mais frequente. Isso mostra que o HIV está ainda se adaptando às respostas imunológicas geradas contra ele.
Os senhores não focaram os estudos também na América do Sul ou no Brasil?
Nós não olhamos para essas populações. Mas gostaríamos de estudar essas populações no futuro. Em particular, o Brasil representa um estudo de população especialmente variável, graças às classes virais B e C presentes. Os estudos que descrevemos sugerem que resultados potencialmente diferentes podem ser determinados pela infecção com os diferentes tipos de vírus.
Em quais regiões do planeta as mutações do HIV se mostraram mais agressivas?
Essa é outra questão interessante e sem resposta. Nós prevemos que o HIV pode progredir mais rapidamente em certas populações geneticamente diferentes. De qualquer modo, esses dados ainda não estão prontos. No entanto, há evidências de que certas cepas de vírus podem ser mais virulentas que outras no mesmo grupo étnico, como os tipos A e D do HIV em Uganda.
Qual é o potencial desta pesquisa?
As principais descobertas são que, mesmo no estágio inicial da epidemia, podemos ver o HIV se evoluindo para se tornar adaptado à maior parte das respostas imunológicas das células T detectáveis. Isso significa que, uma vez que a vacina contra o HIV seja desenvolvido, provavelmente ela será preciso ser modificada periodicamente para manter o passo com a natureza rapidamente transformadora do vírus. É provável que as sequências de vírus dominantes circulantes em diferentes locais sejam modeladam pela grande extensão de genes HLA predominantes nestas populações. Qualquer vacina terá de ser compatível com as sequências virais predominantes em determinado local. Em resumo, podemos dizer que a evolução do vírus HIV está ocorrendo a uma taxa rápida, e que isso tem implicações para o desenho da vacina. Essas descobertas fornecem um panorama sobre a batalha coevolucionária que está sendo travada entre nós e o HIV. As implicações desse estudo para a epidemia no Brasil ainda são menos claras, dada a mistura de cepas do HIV no país. Os dados atuais nos permitem prever que diferentes resultados dependem da cepa do vírus infectante.