A Procuradoria-Geral de Zurique, na Suíça, indiciou ontem a brasileira Paula Oliveira sob a acusação de ter cometido o delito de indução da Justiça em erro. Segundo a polícia suíça, Paula mentiu quando denunciou ter abortado gêmeos depois de ter sido atacada por três skinheads, na segunda-feira da semana passada. Além disso, o inquérito conclui que ela mesma pode ter provocado os cortes feitos em sua barriga e pernas, marcadas com a sigla do Partido do Povo Suíço (SVP, na sigla em alemão), que é de extrema direita e defende o controle da imigração. A história continua sob investigação e a brasileira deverá permanecer no país enquanto durar o trabalho da polícia. Os documentos e o passaporte de Paula ficarão sob custódia da Justiça suíça.
A revista suíça Weltwoche, considerada de direita, afirmou ontem que Paula teria confessado a mentira à polícia na última sexta-feira, quando foi interrogada ainda no Hospital Universitário de Zurique. De acordo com a reportagem, os policiais teriam perguntado a ela por que razão forjou a agressão, e ela teria respondido: ;As razões, você deve perguntar a um psiquiatra;. A revista especula, citando ;fontes da polícia;, que a brasileira estaria interessada em receber uma indenização que o governo paga para mulheres que sofrem aborto. Se ela tivesse perdido os bebês, poderia receber de R$ 100 mil a R$ 200 mil.
Processo
Paula, advogada aprovada (mas não classificada) no concurso para analista processual do Ministério Público brasileiro, em 2004, enfrentará agora o processo aberto pelo promotor suíço Marcel Frei. Ele afirmou que se a brasileira for considerada culpada pela Justiça suíça, poderá ficar presa por até três anos, pagar multa ou mesmo receber tratamento psicológico. O Tribunal de Zurique designou para defender a brasileira o advogado Roger Müller. Ele fala português fluentemente, já prestou serviços ao consulado brasileiro e foi aceito pela família de Paula.
O Consulado-Geral do Brasil em Zurique informou ontem que continuará a prestar a assistência necessária à família de Paula Oliveira. O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, ressaltou que o apoio será dado nos moldes da lei. ;Temos que dar a atenção e apoio à nossa concidadã. Há uma brasileira que está na Suíça. Foi isso que a gente fez e continuará a fazer, dentro das normas internacionais;, disse o ministro.
A advogada trabalhava para o escritório da multinacional dinamarquesa Maersk em Zurique. Uma funcionária do departamento de recursos humanos da empresa explicou que a advogada brasileira poderá ser demitida se a polícia concluir que sua versão é mesmo falsa.
Desaparecido
A polícia suíça não esclareceu se o noivo de Paula, Marco Trepp, está também sob investigação. O paradeiro de Marco continua desconhecido para a imprensa internacional ; ele teria deixado Zurique na segunda-feira, dizendo que temia novos ataques. O economista suíço, de 39 anos, teria tirado as fotos da agressão de Paula e confirmado a versão da namorada. ;Tudo é 100% verdadeiro e ela sofreu um profundo choque;, afirmou para o site suíço 20 Minuten, no dia 12. Ele também relacionou o suposto ataque com o referendo realizado no início do mês, por iniciativa do partido SVP, para restringir a imigração. Marco disse que a derrota da proposta nas urnas ;provocou ódio; dos direitistas.
Suspeitas da polícia
Os cortes nas pernas de Paula seriam superficiais. A simetria dos talhos abaixo dos joelhos e nas coxas também é questionada. A análise da sigla SVP sugere que o ;S; tenha sido escrito de cabeça para baixo
Paula contou ter abortado gêmeos minutos depois da agressão. Voltou atrás e admitiu que poderia ter perdido os bebês antes. A família não apresenta o ultrassom e os médicos contestam a gravidez
Sucessão de reviravoltas
Entenda o caso que chocou e causou surpresa à opinião pública brasileira
9 de fevereiro
» Em Recife, Paulo Oliveira recebe um telefonema da filha, a pernambucana Paula Oliveira, de 26 anos. De Zurique, ela conta que três neonazistas a agrediram e fizeram cortes pelo seu corpo. E revela que abortou gêmeas após o ataque
10 de fevereiro
» Paulo viaja a Zurique e procura o consulado brasileiro. A cônsul Vitoria Cleaver promete consultar a polícia. Por telefone, ele conversa com o senador Marco Maciel (DEM-PE) e o deputado Roberto Magalhães (DEM-PE)
12 de fevereiro
» O presidente Lula condena a violência ;inaceitável; contra a jovem. Chanceler Celso Amorim afirma haver ;aparência evidente de xenofobia;
13 de fevereiro
» Walter Boer, diretor do Instituto de Medicina Forense da Universidade de Zurique, exibe um laudo afirmando que ela não sofreu aborto e suspeita de autoflagelação
Anteontem
» Paula deixa o hospital por uma porta lateral, para evitar a imprensa
Falsas denúncias de xenofobia
A Europa registrou casos falsos de ataque com motivação xenófoba que terminaram com a prisão ou a confissão da ;vítima;. O mais recente ocorreu em novembro passado, quando a estudante alemã Rebecca K., de 17 anos, contou à polícia ter sido agredida por quatro skinheads. Os ;criminosos; teriam usado um estilete para cortar uma suástica na cintura da moça.
O tribunal de Hainichen, no leste da Alemanha, aceitou pistas e laudos de médicos legistas comprovando que a própria garota havia desenhado a suástica no corpo. A jovem foi obrigada a cumprir pena alternativa: 40 horas de trabalho em instituições sociais.
Copa do Mundo
Em 2006, poucas semanas antes da Copa do Mundo da Alemanha, o italiano Gianni C., de 30 anos, contou ter levado uma surra de neonazistas. Os jornais italianos aproveitaram o caso para informar um fictício aumento de ataques a estrangeiros no país.
O suposto escândalo acabou de forma tragicômica: a polícia confiscou o vídeo de uma estação de metrô em Berlim, no qual o rapaz, embriagado, é visto pulando os trilhos e levando tombos. Foi o suficiente para que Gianni recebesse voz de prisão no hospital. Em 1994, uma estudante deficiente contou à polícia de Halle (leste da Alemanha) ter sido atacada por neonazistas que gravaram uma suástica na bochecha. Era mentira.
O namorado sumiu
O economista Marco Trepp (foto), de 39 anos, tirou da internet a página de perfil que mantinha em um site ligado a dança. Nela, ele conta que viajou para a Am[erica do Sul em 2005, quando pode ter conhecido Paula Oliveira. Marco se apresenta como adepto de caminhadas, fanático por motos e dançarino de ritmos latinos, como salsa.