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Vaticano insiste na 'dignidade' do embrião humano contra terapia genética

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Com um documento doutrinário que afirma a "dignidade" do embrião humano, o Vaticano relançou neste final de anoa polêmica sobre as questões éticas das novas técnicas biomédicas, no momento em que países como França e Estados Unidos se preparam para reexaminar suas práticas nesse campo.

A instrução intitulada "dignitas personae" (a dignidade da pessoa) atualiza, à luz dos avanços da Ciência, o documento "donum vitae" (o dom da vida), de 1987, que condenava, sem ambigüidade, qualquer atentado à integridade do embrião, considerado um ser humano criado à imagem de Deus desde a concepção.

O documento lista todas as técnicas biomédicas consideradas "ilícitas" - da fecundação "in vitro" à clonagem, passando pela utilização de células-tronco embrionárias para fabricar vacinas e pela pílula do dia seguinte. O texto também é bastante reticente em relação às perspectivas abertas pela terapia gênica, alegando que se corre o risco de favorecer "uma mentalidade eugênica".

A Igreja Católica justifica essas interdições com o fato de que "a dignidade da pessoa deve ser reconhecida a qualquer ser humano desde sua concepção até sua morte natural".

Trata-se de mais um passo na direção de reconhecimento do embrião não apenas como ser humano, mas como "pessoa" integral, com todas as conseqüências filosóficas e jurídicas que isso possa acarretar.

"O reconhecimento é implícito, mas nós não resolvemos o dilema no debate filosófico", afirmou o secretário da Congregação para a Doutrina da Fé, monsenhor Rino Fisichella, ao apresentar o documento.

O texto que valerá para todos os católicos deverá ter conseqüências práticas, assim como no caso do "donum vitae". Também deverá fornecer argumentos à Igreja americana, preocupada com o anúncio já feito pelo futuro presidente dos EUA, Barack Obama, de questionar a decisão de George W. Bush de limitar as pesquisas com células-tronco embrionárias.

Além disso, o documento será usado pelos bispos franceses, durante os debates parlamentares sobre a Bioética, previsto para 2009, na França.

Depois do "donum vitae", vários hospitais católicos no mundo todo foram obrigados a interromper seus serviços de ajuda à fecundação para os casais estéreis, ou o financiamento de determinadas pesquisas médicas.

Na Itália, a Igreja Católica contribuiu em 2005 para o fracasso de um referendo de iniciativa popular que tinha como objetivo liberalizar o recurso à fecundação assistida.

A instrução "dignitas personae" também pede aos pesquisadores católicos que se "dissociem, no exercício de sua atividade de pesquisa, de um quadro legislativo gravemente injusto e afirmem com clareza o valor da vida humana".

O Vaticano tem consciência de estar na contracorrente das pesquisas de ponta sobre embrião, realizadas principalmente na Grã-Bretanha, e espera "reações diversas", reconheceu o monsenhor Fisichella.

"Alguns vão preferir ignorar a instrução, outros vão ridicularizar, e outros vão classificar essas páginas como manifestações de obscurantismo que impedem o progresso e a livre pesquisa, mas muitos outros vão compartilhar nossa preocupação e nossa análise", acrescentou.