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Porta-voz de facção suspeita do ataque a Mumbai culpa hinduístas

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"Você sabem quantas pessoas foram mortas na Caxemira?", perguntou um dos terroristas, em urdu, a uma rede de TV pouco antes de ser executado pelas forças especiais indianas durante ocupação da Chabad House, um centro judaico em Mumbai. As palavras do extremista e a confissão de Ajmad Mohammad Amir Kasar, o único terrorista preso durante o cerco ao Taj Mahal Hotel, apontam todas as suspeitas sobre o grupo islâmico paquistanês Lashkar-e-Tayyaba (Exército dos Puros). Em seu depoimento à polícia, Kasar contou que a facção foi a responsável pelo reconhecimento dos 10 locais atacados na quarta-feira passada. Autoridades dos serviços de contra-espionagem dos Estados Unidos confirmaram à agência de notícias France-Presse que existem provas do envolvimento dessa organização. A Lashkar-e-Tayyaba foi banida do Paquistão em 2002, sob pressão dos Estados Unidos e surgiu sob o nome de Jama;t-ud-Da;wah. Em abril de 2006, o Departamento de Estado norte-americano listou o Jama;t-ud-Da;wah como entidade terrorista e denunciou que o nome é usado pelo Lashkar-e-Tayyaba. Após um primeiro contato por celular, Abdullah Muntazir, porta-voz do Jama;t-ud-Da;wah ; baseado em Lahore (Paquistão) ;, concedeu entrevista exclusiva ao Correio e negou participação do grupo militante no massacre de Mumbai. Culpou os "terroristas hinduístas" e denunciou uma tentativa da Índia de atribuir responsabilidade a estrangeiros. Também procurou desmentir uma relação com o Lashkar-e-Tayyaba, ainda que os dois grupos compartilham a mesma bandeira (uma espada sobre fundo branco com listras pretas) e o mesmo fundador, o professor Hafiz Muhammad Saeed. Muntazir descreveu a gigantesca estrutura do Jama;t-ud-Da;wah, elogiou Osama bin Laden e fez uma observação reveladora: "Quando um indivíduo, sociedade, governo ou Estado se conforma com os ensinamentos do islã, eles são automaticamente enriquecidos com as bênçãos da paz e da segurança". A Índia culpa o seu grupo (Lashkar-e-Tayyaba) pelos atentados em Mumbai e afirma que seus militantes fizeram o reconhecimento dos hotéis; O governo indiano é famoso por seu jogo de atribuir responsabilidades e a mídia da Índia está criticando o próprio governo por fazer isso sem pistas suficientes. Outra coisa que quero deixar claro, de modo categórico, é que não sou porta-voz do Lashkar-e-Tayyaba, mas do Jama;t-ud-Da;wah. E só posso falar pelo Jama;t-ud-Da;wah. Eu tenho lido que essa organização negou qualquer envolvimento nesse incidente. Como o senhor analisa esses ataques? O islã estaria interessado nesse banho de sangue? Não vejo interesse do islã ou dos muçulmanos nisso. Há muito mais evidências de que os terroristas hinduístas podem estar envolvidos nesses ataques. O chefe do esquadrão antiterrorismo, Hemant Karkare, foi morto ainda durante a primeira hora do atentado. Ele era o oficial que estava por trás da prisão de um policial do Exército envolvido em atos de terrorismo. Alguns políticos também foram presos pelo assassinato de Karkare. De acordo com a mídia indiana, há relatos de que o senhor Karkare recebeu ameaças de morte dois dias antes do incidente em Mumbai. Os terroristas hinduístas colocaram fogo na locomotiva Samjhota Express, que viajava da Índia para o Paquistão com dezenas de passageiros queimados vivos. Se essas pessoas detonaram as bombas na cidade indiana de Mali Gaoon e incendiaram um trem lotado, por que não realizaram os ataques de Mumbai para desviar a atenção da mídia dessas investigações? O governo indiano está engajado em uma ofensiva para dominar a Caxemira? Não há dúvidas de que a Índia está usando suas tropas para manter a ocupação da Caxemira. As Nações Unidas tem suas resoluções pendentes nesse sentido. A comunidade internacional tem escravizado o povo da Caxemira por seu direito de autodeterminação, mas a Índia sempre se recusou a aceitar esse direito e ainda assim levou o caso para a ONU em 1948. A Caxemira é o osso da disputa entre Índia e Paquistão. Qual é o papel atual do Jama;t-ud-Da;wah? Como sua organização funciona e de que maneira se mantém? O Jama;t-ud-Da;wah é um movimento que tem o objetivo de espalhar os ensinos verdadeiros do islã e estabelecer uma sociedade pura e pacífica, por meio da construção do caráter de indivíduos. É preciso melhorar não apenas a crença do indivíduo, mas também suas ações e atitudes. Somente assim um indivíduo pode se tornar um verdadeiro cidadão bom. A palavra "islã" é derivada da palavra paz. Quando um indivíduo, sociedade, governo ou Estado se conforma com os ensinamentos do islã, eles são automaticamente enriquecidos com as bênçãos da paz e da segurança. Nossa crença é baseada nas palavras de Alá no Corão: "Entre em totalidade na congregação do islã". O islã não significa seguir alguns rituais, como orar, manter jejum, realizar o Hajj (peregrinação a Meca), dar o dízimo (Zakat) ou doações para trabalhos de caridade. É um completo "código de vida". Por isso nossa batalha não se limita a nenhum aspecto particular da vida; o Jama;t-ud-Da;wah se dirige a cada e todo campo da vida, de acordo com os ensinamentos do islã. Somos não apenas uma organização, mas um movimento. Esse movimento foi estabelecido em Lahore, capital provincial de Punjab (Paquistão), em 1985, por clérigos islâmicos e reformadores de grande importância. A jornada, que começou com Hafiz Muhammad Saeed como seu Ameer (chefe), tem cruzado muitos marcos e está caminhando rumo ao seu destino. Temos milhões de trabalhadores e centenas de escritórios ao redor do país. Todos trabalham em sintonia. São escolas, universidades, hospitais, centros médicos, serviços de ambulância e de resgate. O que é a jihad (guerra santa) para o seu grupo? O mundo do islã tem a obrigação de tomar parte dela? A jihad tem muitas dimensões no islã. A forma mais importante é a defesa de nossa fé, nossas terras, fronteiras e vidas de nossos cidadãos (muçulmanos de não-muçulmanos). A jihad é uma obrigação, mas também uma ordem do Corão e do Profeta Maomé (que Alá esteja satisfeito com ele). Devemos distinguir entre a jihad e os atos de terrorismo. A jihad não permite que os mujahedin matem civis e inocentes e alvejem locais públicos, como ocorreu em Mumbai. Como o senhor vê a figura de Osama bin Laden? O que ele representa para vocês? Osama bin Laden é um herói para alguns países e um vilão para outros. Há pessoas que o amam, mas também há aquelas que o odeiam. Todos têm seu próprio ponto de vista. Ele representa um grande sentimento do mundo muçulmano que resiste à hegemonia dos Estados Unidos no mundo. Qual sua opinião sobre a ocupação do Iraque e do Afeganistão? As ocupações do Iraque e do Afeganistão são crimes contra a humanidade e o barco do orgulho dos EUA afundará no oceano dessa guerra contra o islã. E os primeiros benefícios disso virão para os países do continente americano, como o Brasil e o México. Há uma luz para o mundo nessa guerra. Um mundo que deseja viver sua própria vida sem interferência dos EUA.