Quando o universo surgiu, há 14 bilhões de anos, por sorte ele era apenas quase perfeito. Se matéria e antimatéria convivessem em quantidades iguais, tudo o que sobraria seria radiação. Mas um leve desvio na simetria ; a presença de uma partícula extra de matéria em cada 10 bilhões de partículas de antimatéria ; foi o suficiente para que tudo não se aniquilasse.
A quebra espontânea de simetria na física subatômica foi o pilar do estudo de três japoneses contemplados ontem com o Nobel de Física. Professor emérito da Universidade de Chicago, Yoichiro Nambu, de 87 anos, foi premiado por desvendar o fenômeno (leia a entrevista). Makoto Kobayashi, 64, cientista da Organização de Pesquisas do Acelerador de Alta Energia (em Tsukuba, Japão); e Toshihide Maskawa, 68, do Instituto Yukawa de Física Teórica (Kyoto), foram agraciados ;pela descoberta da origem da simetria quebrada que profetiza a existência de pelo menos três gerações de quarks na natureza;.
Em entrevista ao Correio, o norte-americano Frank Wilczek, Nobel de Física em 2004, considerou excelentes as indicações do Comitê Nobel. ;O trabalho de Nambu sobre a quebra espontânea de simetria foi um ato de imaginação muito à frente de seu tempo;, afirmou o cientista do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). ;Ele introduziu a idéia de que tudo o que percebemos como espaço vazio é, em uma visão mais profunda, um meio que complica o movimento da matéria;, explicou. Segundo Wilczek, Kobayashi e Maskawa confirmaram que as leis da física mudariam se pudéssemos correr no sentido contrário ao tempo. ;Eles descobriram que esse comportamento pode ser esperado se os conjuntos de partículas elétron/múon; up/quark charme; down quark/quark estranheza se tornarem trios;, acrescentou.
O físico carioca Alberto Santoro, um dos responsáveis pelo detector solenóide do Grande Colisor de Hádrons (LHC), lembrou que ;ganhar o Nobel é um processo extremamente difícil;. ;São trabalhos muito bonitos, que deram margem a explicações de várias coisas na física de partículas. Um exemplo é a existência de três gerações de quarks (up e down, charme e estranheza, bottom e top);, comentou. As teorias premiadas têm ligação direta com o maior acelerador de partículas da história. ;Elas originaram o trabalho que predisse a existência dos bósons de Higgs, elementos que dariam massa às partículas elementares;, declarou Santoro. São essas partículas que o LHC tenta detectar.
;A grande questão para explicar os primeiros momentos após o Big Bang era a simetria, um dos grandes enigmas da física solucionado pelos três japoneses;, reforçou o astrônomo Ronaldo Rogério de Freitas Mourão. Além da medalha e do diploma, Nambu vai receber metade do prêmio de US$ 1,4 milhão; a outra parte será repartida por Kobayashi e Maskawa.
Fenômeno universal
A quebra espontânea de simetria das partículas subatômicas ocorreu 14 bilhões de anos atrás, logo após a explosão que originou o cosmos
O encontro entre matéria e antimatéria seria fatal para ambas; uma aniquilaria a outra e o que restaria seria radiação
A matéria ;ganhou a batalha; por causa de um pequeno desvio da simetria perfeita das partículas subatômicas. Uma partícula extra de matéria para cada 10 bilhões de partículas foi suficiente para manter o universo ;vivo;
A quebra de simetria precisaria ser reproduzida várias vezes para criar a matéria e preencher o céu com estrelas
Região conhecida como NGC 3324, na constelação Carina, a 7,2 mil anos-luz da Terra: quebra de simetria garantiu a existência do cosmos
BIG BANG
O conceito explica a massa de partículas elementares, fornecida pelo hipotético campo de Higgs. Durante o Big Bang, o campo era simétrico e todas as partículas tinham massa zero. Mas o campo de Higgs era instável e, quando o universo resfriou, o campo caiu ao nível energético mais baixo (seu próprio vácuo). A simetria desapareceu e o campo de Higgs se tornou uma espécie de ;sopa; de partículas elementares que absorveram diferentes quantidades do campo e ganharam diferentes massas.
Entrevista com YOICHIRO NAMBU: O estudante que se tornou um gênio
Ouça a entrevista em inglês com o Nobel de Física Yoichiro Nambu