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Romance de Halter sobre rainha de Sabá é libelo contra racismo

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Setenta e cinco anos depois de André Malraux, o escritor francês Marek Halter se lança sobre a Etiópia em busca dos vestígios deixados pela rainha de Sabá, personagem fundador da História etíope e heroína de seu último romance. "Esse personagem me interessa porque é uma mulher que desafia o rei Salomão, não no campo de batalha, mas no campo da inteligência", explicou o romancista, cujo novo livro dá continuidade a seu trabalho sobre as mulheres na Bíblia, que já o levou a "reviver" Sarah, a companheira de Abraão, e Tzipporah, a mulher de Moisés. "Para os que, como eu, lutam contra o racismo, a rainha de Sabá também é a primeira pessoa de cor que une pela porta da frente a paisagem mítica do mundo branco", comentou. A rainha de Sabá é descrita em um curto trecho da Bíblia, quando ela visita o rei Salomão, em Jerusalém. Na Etiópia, esse encontro é considerado fundador da dinastia dos imperadores, já que a História etíope afirma que os dois soberanos tiveram um filho, Menelik, primeiro rei desse país africano, que recuperou as Tábuas da Lei. "A História da rainha de Sabá faz parte de nossa herança. É nossa genealogia", disse Mariam Senna, neta do último imperador Haile Selassie, acrescentando que "ela foi aprender com o rei Salomão, o mais sábio dos reis da época, para levar esse saber para a Etiópia. Para nós, não é um mito". Durante seu périplo abissínio, Marek Halter visitou os locais da realeza etíope, onde mito e História se encontram: Gondar, Axum, Lalibela. Recentemente, arqueólogos alemães anunciaram ter "descoberto" restos do Palácio dessa lendária rainha, em Axum (norte). As ruínas, que datam do século 9 a.C., foram encontradas sobre outros vestígios, os do palácio de um rei cristão, de acordo com a Universidade de Hamburgo que dirige as pesquisas. Nem todos os arqueólogos concordam, porém, quanto a reconhecer o palácio da soberana nessas ruínas. "Nada permite afirmar que se trata de seu palácio. Não há nenhuma prova estabelecida no momento", afirma o diretor do Centro francês dos Estudos Etíopes em Adis-Abeba, François Xavier Fauvelle. "Até o presente, as pesquisas arqueológicas e epigráficas mostram que a lenda da rainha de Sabá cresceu na Arábia do Sul e um reino de Sabá é muito bem documentado no Iêmen, na Antigüidade", observa. "As lendas circularam de ambos os lados do Mar Vermelho, da mesma maneira que as línguas e as religiões. A Etiópia, um dos mais velhos Estados cristãos do mundo, apropriou-se da rainha de Sabá, com base em interpretações muito antigas da Bíblia", completa. Marek Halter se mantém ao largo dessa discussão, defendendo-se: "sou um contador de histórias". "Quero fazer as pessoas sonharem e dividir com elas alguns conhecimentos. Acho que os que tiverem lido esse livro nunca mais olharão seus vizinhos negros do mesmo jeito", comentou. "Eu quis reabilitar a imagem da mulher nas três grandes religiões monoteístas. Hoje, na França, as jovens imigrantes precisam de modelos tirados de sua própria cultura", argumentou o fundador da associação "Ni Putes Ni Soumises", que luta pelos direitos das mulheres nas periferias francesas. Para Halter, "é importante lembrar que a África é guardiã das Tábuas da Lei. Ao contar a história da rainha de Sabá, eu também falo de uma história de hoje: é um discurso contra o racismo".