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Ganhadores do Nobel contam como o prêmio mudou suas vidas

Entrevista com John C. Mather, Robert Grubbs, Mario Capecchi e John Robin Warren

Quatro cientistas entrevistados com exclusividade para o Correio e para o Correiobraziliense.com.br viram sua rotina modificada depois que ganharam o Prêmio Nobel, uma das maiores distinções da humanidade. Em 2005, o australiano John Robin Warren, patologista do Royal Perth Hospital, foi contemplado por ter descoberto que a bactéria Helicobacter pylori era a responsável pela úlcera gástrica. No mesmo ano, o norte-americano Robert Grubbs, cientista do California Institute of Technologia, levou a láurea por ter desenvolvido os princípios do catalisador, bastante usado em automóveis. Em 2006, o Nobel de Física reconheceu o trabalho de John C. Mather, astrofísico da Nasa -- agência espacial americana -- que detectou a forma e a anisotropia dos corpos negros da radiação cósmica de fundo. No ano passado, Mario Capecchi foi premiado com o Nobel de Medicina pela identificação de genes de células estaminais de embriões de ratos que possibilitaram técnicas transgênicas, incluindo a clonagem e a modificação genética. Os especialistas falaram sobre seus projetos e sobre os compromissos assumidos depois que se tornaram mundialmente famosos. Ao comparar com a época anterior à conquista do Prêmio Nobel, o que mudou em seus projetos e planos? JOHN C. MATHER (NOBEL DE FÍSICA EM 2006): A principal mudança é que agora estou dando muitas aulas públicas sobre o trabalho que faço, dizendo às pessoas por que a ciência é importante e excitante, e dando a elas uma perspectiva científica sobre a história do universo, falando sobre como as estrelas e os planetas são formados, e sobre como é possível para a vida existir em nosso planeta Terra. ROBERT H. GRUBBS (NOBEL DE QUÍMICA EM 2005): Eu tenho continuado a pesquisa que fazia antes de ganhar o Nobel. MARIO CAPECCHI (NOBEL DE MEDICINA EM 2007): Apesar de minha ciência e minhas metas científicas não terem mudado, a quantidade de participação em outras atividades (palestras, simpósios etc) cresceu astronomicamente. JOHN ROBIN WARREN (NOBEL DE MEDICINA EM 2005): A principal coisa que o Prêmio Nobel fez foi me tornar muito ocupado. Por isso, não tenho tempo para dizer muito. Todo mundo quer um ganhador do Prêmio Nobel. Eu me aposentei recentemente e estava tentando fazer uma série de coisas que eu havia deixado de lado durante minha vida profissional. Agora eu estou quase de volta ao ponto em que eu estava antes de me aposentar. Isso é o que um Nobel faz. Seus estudos sofreram alterações desde então? JOHN C. MATHER: Sim, claro! As novas oportunidades e responsabilidades de falar para as pessoas sobre ciência demandam muito tempo. Além disso, fui convidado a me tornar cientista-chefe do Diretorado de Missões Científicas da Nasa. Como sou projetista-chefe do telescópio espacial James Webb, achei difícil manter dois trabalhos ao mesmo tempo. ROBERT GRUBBS: Há um pouco mais de demandas para viagem. Mas a maior parte das coisas segue como antes. Provavelmente eu recebi algum apoio à minha pesquisa que eu não teria sem o prêmio. O Nobel também me permitiu iniciar algumas áreas de pesquisa que eu considerava antes, mas não tinha tempo nem apoio para realizá-las. É fascinante que o catalisador que descobri tenha tantas utilidades. MARIO CAPECCHI: Eu e minha equipe mantemos os estudos com células-tronco embrionárias e adultas. Esse trabalho não foi afetado ou influenciado pelo Prêmio Nobel. O que o Prêmio Nobel tem feito é me fornecer oportunidades de falar, em numerosas ocasiões, em defesa das pesquisas com células-tronco em nosso país. JOHN ROBIN WARREN: Meus estudos não sofreram mudanças. Eu estava tentando mantê-los em ação e ainda estou, tendo em mente que, por ter me aposentado, o trabalho cessaria em questão de dias. O que o Prêmio Nobel representou para o senhor? Qual o simbolismo? JOHN C. MATHER: O prêmio fez com que o mundo inteiro soubesse o que já sabíamos, que nosso trabalho era importante para a ciência e para o mundo. ROBERT GRUBBS: O prêmio foi um reconhecimento do trabalho de muitos anos com meus muitos alunos da graduação e meus colegas pós-doutores. Eu não esperava receber o prêmio quando comecei o trabalho, então foi um evento excitante. MARIO CAPECCHI: O prêmio foi um reconhecimento ao trabalho realizado em meu laboratório por um grande período de tempo (por exemplo, o desenvolvimento da técnica "gene targeting" como um meio para modificar o genoma dos ratos de quase qualquer modo concebível. Isso nos permitiu e a muitos, muitos laboratórios ter os meios de avaliar em detalhes moleculares quais as funções de cada parte do genoma. JOHN ROBIN WARREN: Eu não sei sobre simbolismos do Nobel. Eu acreditei em meu trabalho, de qualquer forma, mas creio que o prêmio criou uma profunda aprovação e maior crédito às minhas pesquisas. Não fosse o Nobel, esse processo seria bem lento. Se o senhor pudesse indicar um favorito ao prêmio em sua área de pesquisa para este ano, em quem apostaria? JOHN C. MATHER: Eu não conheço suficientemente sobre a maior parte das áreas da física para fazer uma boa aposta. Mas na minha área da astrofísica, eu poderia imaginar que há muitos mais Prêmios Nobel a serem dados, pela descoberta e o início da compreensão da matéria escura cósmica e da energia escura cósmica, pela descoberta de planetas ao redor de estrelas, por provar que os raios gama vêm de explosões gigantescas a imensas distâncias, por pousarmos em Marte e em Titã (lua de Saturno) e testamos a química de superfície. E muitas outras coisas maravilhosas... ROBERT GRUBBS: Eu nunca apostaria. Apenas uma vez em muitos anos adivinhei o premiado. MARIO CAPECCHI: Há várias pesquisas com potencial de ganhar o Nobel de Medicina amanhã, incluindo células-tronco, projeto genoma, RNAs, apenas para mencionar poucas. O projeto que o comitê escolhe celebrar em um dado ano é difícil de ser previsto. Qualquer emprendimento que requer consenso é muito difícil de ser previsto, porque a dinâmica humana é bastante variável de ano a ano. JOHN ROBIN WARREN: Não tenho idéia sobre os cotados à próxima edição do prêmio, ainda que elas estejam tão perto. Eu mesmo jamais imaginava que pudesse levar essa honraria. Nunca pensei que a descoberta da bactéria Helicobacter pylori, ainda que comprovamos ser a causadora das úlceras gástricas, receberia um Nobel. Os cientistas geralmente levam o prêmio por pesquisa básica, o nosso era um trabalho clínico. Nós desenvolvemos a tríplice terapia para a infecção em 1984 e muito rapidamente mostrou-se eficiente em interromper a recorrência de úlceras gástricas.