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Venezuela, Equador e Bolívia: três processos distintos de 'novo socialismo'

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Caracas - A nova Constituição do Equador é mais um avanço em direção ao chamado "socialismo do século XXI" nesse país, embora alguns especialistas afirmem que seu texto não é "puramente socialista" e, como o processo na Bolívia, não pode ser vista apenas como uma mera imitação do projeto de Hugo Chávez na Venezuela. Analistas concordam que a Carta Magna aprovada no dia 28 no Equador reflete mais "uma revolução cidadã", e seria exagerado defini-la como a primeira Constituição socialista do século XXI. Da mesma forma que a Constituição venezuelana, aprovada em 1999, a equatoriana "busca uma democracia participativa, mas não define, neste momento, um novo modo de produção", explicou a historiadora Margarita López Maya, editora do livro "Idéias para debater o socialismo do século XXI". O conceito "socialismo do século XXI" foi cunhado nos anos 90 pelo alemão Heinz Dieterich Steffan, tendo sido adotado posteriormente por Chávez para definir sua ideologia. Em um texto recente, Dieterich, autor de "Hugo Chávez e o socialismo do século XXI", considerou que a Venezuela é o país mais próximo desta nova "fase civilizatória da sociedade". Entretanto, ele afirma que Chávez "não criou uma só instituição econômica pós-capitalista", e adverte para os riscos de um "personalismo excessivo". Para o economista José Guerra, autor do livro "Socialismo do sécullo XXI", o conceito na Venezuela se traduz em "estatização", sem trazer nada de novo. "Qual é o modelo de Chávez? Fidel Castro. Apenas isso já diz tudo", aponta. "Os processos do Equador e da Bolívia não se comparam aos da Venezuela porque estes países não possuem os recursos de Chávez para fazer as mudanças. Se a Bolívia estivesse na mesma situação financeira, já teria feito. Eles acreditam que isso é o socialismo", estimou Guerra, referindo-se à política venezuelana de nacionalizações. O presidente boliviano, Evo Morales, tentará aprovar no referendo do dia 7 de dezembro uma nova Constituição, que delega ao Estado papel preponderante na economia. O projeto é enfaticamente rejeitado pela oposição e em várias regiões. No caso equatoriano, a nova Constituição inaugura um sistema econômico "social e solidário", além de reconhecer cinco tipos diferentes de propriedade. Para Pedro Sassone, diretor de pesquisas da Assembléia Nacional venezuelana, os três países se assemelham porque incluíram as bases em seus processos de mudança e avançam "de formas diferentes nas transformações em direção ao socialismo". Sassone, no entanto, considera que se referir a Correa e Morales como meros imitadores de Chávez é "banalizar o processo" e acreditar "que os povos são manipuláveis, ao invés de aceitar que estão despertando". Os três presidentes se apresentam como uma esquerda que decidiu mudar o modelo de Estado para avançar em seu projeto de nova sociedade. Segundo Ismael García, deputado e líder do partido Podemos (dissidente do chavismo), transformações como a Constituição venezuelana de 1999 pareciam necessárias na América Latina por causa da passagem de governos autoritários de direita. "Mas nossa Constituição não se parece em nada com o atual governo de Chávez. Não vejo o socialismo na Venezuela em lugar nenhum. Só um modelo autoritário velho, um Estado que controla tudo e se transforma no grande capitalista", declarou García à AFP. "Correa, às vezes, lembra o Chávez de alguns anos atrás, e percebo até que ele tem uma atitude de desapreço em relação a seus adversários que se parece muito com a de Chávez", acrescentou. Na Venezuela, a segunda reforma constitucional proposta por Chávez foi rejeitada em um referendo realizado em dezembro de 2007. O texto venezuelano acabava o limite de mandatos presidenciais, enquanto no Equador e na Bolívia apenas uma única reeleição é permitida. Para Margarita López Maya, no entanto, a reforma constitucional de 2007 "não era a expressão de demandas da sociedade, mas sim uma proposta de Chávez" que não foi devidamente consultada. Para Sassone, "a rejeição a esta reforma se deveu à manipulação do texto, que precisaria de uma discussão mais profunda". No caso equatoriano, Correa renunciou aos radicalismos para evitar um cisma semelhante ao boliviano e uma polarização latente como ocorreu na sociedade venezuelana.