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Aids e corrupção derrubaram Mbeki na África do Sul

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Johanesburgo - Tudo começou relativamente bem. Os sul-africanos, brancos e negros, amavam Nelson Mandela. Mas quando terminaram os cinco anos desse grande homem na presidência, em 1999, todos sabiam que sua tarefa de unificar a nação estava concluída. Era a hora de alguém que soubesse como administrar um governo. Esse homem era Thabo Mbeki, vice-presidente do governo Mandela e braço direito do histórico líder no partido Congresso Nacional Africano (CNA) durante os anos que antecederam a queda do apartheid. Mbeki trabalhara durante quatro décadas por esse momento e, com a saída de cena de Mandela, a África do Sul estava pronta para ele.

Nove anos depois, Mbeki entregou o cargo prematuramente na semana passada, humilhado e rejeitado pelo partido ao qual dedicou meio século de sua vida. A visão de uma nova África foi enterrada sob anos de difamação provocada pelo inútil debate intelectual sobre as origens da Aids, enquanto centenas de milhares de pessoas morrem vítimas da doença.

A promessa de boa administração deu lugar a acusações de expurgos nas instituições estatais para livrar-se dos críticos, interferência no Poder Judiciário e proteção a funcionários de alto escalão contra investigações, cujo caso mais notável é o do chefe de polícia do país, que foi acusado de ter laços com o crime organizado e acobertar um assassinato.

Críticas
Mesmo as tão alardeadas medidas econômicas de Mbeki - que proporcionaram crescimento e estabilidade financeira - são difamadas por aqueles que agora assumem o controle da África do Sul, criticadas por enriquecer uma nova elite negra e abandonar a massa de pobres à própria sorte.

"Não há dúvida de que ele centralizava virtualmente todo o controle", disse o delegado Andrew Feinstein, do CNA. "Era um regime quase leninista. Tudo tinha como base a idéia de que o poder deveria ser depositado no líder, que não deveria ser contestado. A manifestação mais óbvia desse funcionamento foi o caso do HIV e da Aids, que não podiam ser discutidos internamente por membros do CNA", disse ele.

Mbeki enxergava a doença, como tantas outras coisas, através do prisma racial. Segundo ele, tratava-se de uma desculpa para reforçar estereótipos que caracterizavam os africanos como primitivos e incapazes de controlar sua libido.

O presidente tornou-se um instrumento natural para os cientistas dissidentes, que questionavam o elo entre o HIV e a Aids e propunham, em vez disso, que a doença seria o resultado da pobreza. O coquetel de remédios anti-retrovirais contra a Aids estava envenenando as pessoas, segundo eles.

Mbeki começou a questionar publicamente as causas da Aids e, sob o pretexto de garantir a segurança do uso de medicamentos, proibiu a distribuição do coquetel nos hospitais do governo. Dezenas de milhares de bebês que poderiam ter sido salvos ficaram sem a dose única de um remédio barato no momento do seu nascimento.

Centenas de milhares de adultos foram abandonados à morte, enquanto Mbeki realizava debates intelectuais, principalmente consigo mesmo, em relação aos méritos do tratamento. O arcebispo anglicano da Cidade do Cabo, Njongonkulu Ndungane, descreveu as medidas do governo em relação à Aids como "um crime contra a humanidade tão grave quanto o apartheid".

Estatísticas

O CNA distribuiu um vasto documento afirmando que o coquetel era uma tentativa de genocídio contra o povo negro. O presidente distorceu as estatísticas que apresentou ao Parlamento, numa tentativa de reduzir o orçamento de seu próprio governo destinado ao combate à Aids.

Em meio à indignação cada vez maior em seu próprio país, e ao escárnio no exterior - que terminaram por manchar a imagem do presidente como político confiável -, Mbeki acabou permitindo a distribuição dos medicamentos nos hospitais, salvando muitas vidas. Mas ele não mudou de idéia a respeito da Aids até hoje.

O desastre da Aids provocou imensos danos na reputação de Mbeki. O estadista era agora visto como profundamente instável. A corrupção foi pouco notada de início, mas com o tempo espalhou-se pelo sistema, infectando o governo e seu partido, e finalmente derrubando o presidente.

Em meados da década de 90 a África do Sul estava negociando com um cartel de indústrias de armamento a maior compra de armas da sua história. Mbeki era então vice-presidente e chefiava o subcomitê parlamentar que distribuía os contratos públicos.

Feinstein era o membro do CNA de mais alto escalão a participar do comitê parlamentar de finanças públicas, que posteriormente investigou o acordo de compra. Ele disse que a compra era totalmente desnecessária, além de estar infectada pela corrupção Enquanto as autoridades envolvidas, incluindo o ministro da Defesa, Joe Modise, enchiam os bolsos, o partido enchia os cofres de dinheiro proveniente de subornos.

Entre os exemplos de contratos ilógicos está a decisão de pagar US$ 2,7 bilhões pela compra de aviões da BAe Systems e da Saab.

Mbeki inicialmente acobertou seu vice-presidente, Jacob Zuma, quando este foi acusado de corrupção. Mas, em 2005, o conselheiro financeiro de Zuma foi condenado a 15 anos de prisão por receber em nome do vice-presidente subornos de uma empresa francesa de armamentos. Mbeki o demitiu. O presidente disse que estava agindo em nome do interesse nacional.

Zuma suspeitou que o presidente tivesse se aproveitado da oportunidade para livrar-se de uma crescente ameaça política. A partir desse momento, seguiu-se aquilo que um juiz do Tribunal Supremo chamou de "titânica disputa política" pelo controle do CNA.

Os diversos grupos de interesse - que em algum momento passaram a desprezar Mbeki, fosse por suas medidas, seu estilo de governo ou suas falhas humanas - reuniram-se em torno de Zuma. Mbeki foi humilhado e desacreditado. Mas o pior ainda estava por vir.

Quando os promotores reabriram o caso de corrupção contra Zuma, seus aliados enxergaram nisso a mão de Mbeki. O juiz Chris Nicholson concordou, dispensando o caso no início do mês, com uma sentença que, essencialmente, acusava o presidente e o seu gabinete de perverter o sistema judiciário para atingir inimigos políticos. Com isso, Zuma e seus aliados na cúpula do CNA fizeram sua jogada e derrubaram Mbeki.