Ele desenvolveu linhagens de células-tronco para 20 doenças graves, incluindo distrofia muscular, mal de Parkinson e diabetes tipo 1. A descoberta, divulgada em agosto passado, fez estrondo no meio científico e foi considerada o pilar da medicina personalizada. O austríaco Konrad Hochedlinger, biólogo celular da Faculdade de Medicina da Universidade de Harvard (em Boston, Estados Unidos), voltou aos holofotes da mídia após fazer com que células adultas retornassem ao estado embrionário.
Na realidade, o cientista aperfeiçoou as técnicas desenvolvidas pela japonesa Shinya Yamanaka (Universidade de Kyoto) e pelo norte-americano James Thomson (Universidade de Wisconsin-Madison, EUA) ; com a ajuda de um retrovírus, ambos enviaram quatro genes ao interior de células da pele, que se transformaram em células-tronco pluripotentes induzidas (iPS, pela sigla em inglês). Nesse estado, elas são capazes de se transformar em 220 tipos de células humanas. Mas a diferenciação traz consigo o risco do câncer, graças a mutações causadas pelo vírus-vetor.
Em tese, Hochedlinger resolveu o problema adicionando os genes Oct4, Sox2, Klf4 e c-Myc a fibroblastos ; células do tecido conjuntivo ; e a células do fígado. Dessa vez, o instrumento de transporte foi um adenovírus. ;Nosso estudo se diferencia do de Yamanaka por duas razões: em primeiro lugar, usamos células do fígado, enquanto a maior parte das pesquisas usa células da pele; em segundo lugar, e o mais importante, utilizamos vetores adenovirais para inserir os fatores de reprogramação celular;, explicou ao Correio Matthias Stadtfeld, co-autor da pesquisa publicada na revista científica Science. ;Os adenovírus não se integram de modo estável no genoma das células por eles infectadas;, acrescentou. Por isso, os cientistas crêem que o risco de câncer seja praticamente zero.
Hochedlinger, Stadtfeld e três colegas trabalham agora na melhoria da eficiência da tecnologia, com a recombinação da infecção por adenovírus com compostos químicos capazes de facilitar a transformação das células. ;Isso deve também ajudar na reprogramação dos tipos celulares mais acessíveis do que os hepatócitos (células do fígado), como fibroblastos e células da pele;, disse Stadtfeld. O objetivo da equipe é produzir iPS livres de integração com o DNA, usando células humanas. ;Finalmente, estamos utilizando essas iPS ara estudar as diferenças sutis entre elas e as células-tronco embrionárias;, comentou.
Otimismo
Por enquanto, o estudo tem se concentrado em células extraídas de camundongos. Os resultados são otimistas também no que diz respeito à pluripotencialidade. Segundo Stadtfeld, nesse quesito as iPS derivadas tiveram uma resposta excelente nos testes. ;Elas formaram teratomas após serem injetadas nos roedores imunodeprimidos;, disse. ;Também contribuíram para amadurecer os tipos celulares de todas as três camadas de células diferenciadas dos embriões, formando pulmões, coração e neurônios;, acrescentou. Essas iPS se reprogramaram ainda como células germinais ; que dão origem a gametas.
No artigo da Science, os cientistas escreveram que ;nossos resultados fornecem fortes evidências de que a mutagênese insercional de vírus não é exigida para a reprogramação in vitro (em laboratório);. ;A reprogramação adenoviral pode prover um método aprimorado para gerar e estudar células-tronco específicas para pacientes e para compará-las com as embrionárias;, conclui o resumo da pesquisa. A técnica de Hochedlinger já é conhecida como ;reinicialização celular; e tem sido tratada como uma promessa da medicina regenerativa. ;Esse é um imenso passo adiante ; pode ser o progresso que estávamos procurando;, comemorou o norte-americano Robert Lanza, pioneiro das células-tronco e diretor da Advanced Cell Technology, em entrevista ao jornal The Washington Post.
O mérito do novo estudo
A descoberta revelada ontem torna mais segura a transformação de células adultas (já desenvolvidas) em células-tronco pluripotentes induzidas (iPS, na sigla em inglês), ou seja, aquelas que têm capacidade de se desenvolver para gerar qualquer tecido ou órgão do corpo humano.
No ano passado, cientistas já haviam conseguido transformar células adultas em células-tronco pluripotentes induzidas. No entanto, nesse processo, quatro genes foram aplicados ao DNA das células adultas, com a ajuda de um retrovírus. O problema é que esse retrovírus não se desintegra no interior da célula e pode causar câncer em animais.
Por meio de um adenovírus, cientistas inseriram quatro genes transformadores no DNA em células do tecido conjuntivo e do fígado de um camundongo.
Os genes transformaram as células adultas em células-tronco pluripotentes induzidas, capazes de se transformar, por sua vez, em tecidos ou órgãos de qualquer parte do corpo. O adenovírus se desintegrou nas células, sem que se injetasse ao genoma delas.
Como a técnica não envolve embriões, a destruição deles para a obtenção das células-tronco pluripotentes induzidas é desnecessária, o que evitaria o conflito ético com organizações de defesa da vida e com a Igreja Católica.
O que são
Células-tronco pluripotentes induzidas: embora não sejam células-tronco originais, possuem marcadores moleculares e genéticos típicos de células-tronco embrionárias
Retrovírus: grupo de vírus que possui um genoma constituído por RNA simples
Adenovírus: tipo de vírus que possui genoma de DNA duplo. É encontrado no homem e em outros animais e costuma causar infecções agudas no aparelho respiratório