MOSCOU - Primeira conseqüência concreta do conflito russo-georgiano no plano internacional, o acordo entre Varsóvia e Washington sobre o escudo antimísseis marca um revés que era previsível para a Rússia e que Moscou respondeu invadindo a Ossétia do Sul. A Rússia recebeu a decisão como uma confirmação de sua tese, segundo a qual o sistema antimíssil é na realidade dirigido não contra o Irã ou a Coréia do Norte, como diz Washington, mas contra seu potencial dissuasivo.
"Evidentemente, dado seu conteúdo e a precipitação em concluí-lo, as condições nas quais foi assinado, tudo isso mostra mais uma vez que este projeto não tem nenhuma relação com a ameaça de mísseis iranianos, mas é dirigida contra a Rússia", declarou, sob anonimato, um alto representante da diplomacia russa citado pela agência Interfax, numa alusão transparente à tensão nas relações russo-americanas provocada pelo conflito armado na Geórgia.
Alguns meios de comunicação russos colocam os pingos no i. "Apesar de não o reconhecermos oficialmente, o acordo assinado precipitadamente é uma resposta à operação realizada pela Rússia em território georgiano", ressaltou o jornal on-line gazeta.ru. "Na Polônia", acrescentou, "levamos muito a sério o fato de Moscou pela primeira vez ter lançado tanques e aviões contra um Estado estrangeiro".
Serguei Markov, deputado e cientista político próximo do Kremlin, descreve a situação no mesmo sentido. O acordo sobre o escudo "é um dos resultados da guerra, que foi iniciativa dos americanos", afirmou. "É uma derrota para a Rússia, mas também para a Alemanha, a França, para a Europa inteira", comentou Markov. No entanto, inúmeros comentários de representantes e de jornais russos, publicados nos últimos dias, apresentam o acordo entre poloneses e americanos como praticamente inevitável.
Assim, o presidente da comissão dos Assuntos estrangeiros da Duma, câmara baixa russa, Konstantin Kosatchev, já analisava as conseqüências falando da "complexidade crescente das relações russo-americanas". Logicamente, aparentemente avaliando as conseqüências previsíveis de sua intervenção militar, os dirigentes russos consideraram que ela não teria impacto real sobre a questão do escudo antimísseis. Em contrapartida, o destaque dado pela imprensa de Moscou à aceitação pelos americanos de todas as condições impostas pelos poloneses, deixa pensar que a Rússia não esperava que Washington fosse tão longe.
Os EUA aceitaram enviar uma bateria de mísseis Patriot operada por um contingente americano e o Exército polonês passará a ter com o tempo seu próprio sistema antimíssil de médio alcance, afirmaram os dirigentes poloneses. Resta saber se e como a Rússia aplicará sua ameaça de responder ao envio do escudo por medidas militares. Vladimir Putin, então presidente na ocasião, declarou em fevereiro passado que a Rússia apontaria seus mísseis na direção dos países que acolherem elementos do escudo antimísseis americanos.
Nesta sexta-feira, o chefe adjunto do Estado-maior russo, Anatoli Nogovitsyne, também escolheu um tom ameaçador. Instalando elementos antimísseis, a Polônia se torna um alvo "prioritário", afirmou. Mais para o analista Macha Lipman, da antena da Fundação Carnegie em Moscou, o acordo sobre o escuto tem uma importância "mais simbólica". "Os Estados Unidos mostram que eles têm aliados seguros, enquanto que a Rússia não tem aliados ao final desta guerra. Apenas Cuba a apoiou".