;Crianças e mulheres estão mortas agora. O que elas fizeram contra a Rússia? Nada! Se a comunidade internacional permanecer silenciosa, não existirão mais georgianos no mundo.; O apelo desesperado foi feito ontem por David Bochorishvilli, de 20 anos, no momento em que um comboio de tropas russas se movia em direção a Gori, cidade da Geórgia onde ele e seus pais viviam até o último sábado. O ministro do Interior georgiano, Shota Utiashvili, declarou que o local já estava sob fogo disparado pela artilharia e por tanques de Moscou e revelou que blindados de seu país planejam defender a cidade.
A partir da capital Tbilisi ; onde se refugiou ;, David disse ao Correio que a retirada de forças georgianas de Tskhinvali, capital da província separatista da Ossétia do Sul, não representa um avanço rumo à paz. ;Isso será o fim da Geórgia e não do conflito;, advertiu. O Ministério das Relaçõs Exteriores georgiano entregou à Embaixada da Rússia uma nota na qual anuncia o fim das operações. Moscou negou reconhecer a manobra da ex-república soviétia rumo ao cessar-fogo e intensificou os ataques, que se estenderam para o mar. O ministro da Defesa russo, Anatoly Nogovitsyn, anunciou que sua marinha afundou uma lancha lança-mísseis da Geórgia. Também pela primeira vez, as forças russas bombardearam o aeroporto internacional de Tbilisi.
O conflito ganhou ares ainda mais graves depois que a Abcásia, região separatista da Geórgia, avisou que entrou em ;estado de guerra; com Tbilisi. Como resposta, o presidente georgiano, Mikhail Saakashvili, determinou que 4 mil militares se concentrassem ao longo da fronteira com a província. Diante da possibilidade de escalada sem precedentes do conflito, o chefe de Estado determinou a retirada imediata dos 2 mil soldados de seu país do Iraque ; o deslocamento começou ontem. Por sua vez, a Ucrânia ameaçou impedir o retorno de navios russos a suas bases na Criméia. ;Essa declaração é nova para nós, e exige uma análise;, afirmou o ministro Nogovitsyn. ;É o caso de uma terceira parte intervindo no processo, o que é bem surpreendente;, comentou.
Três dias de guerra já foram suficientes para arrasar a capital da Ossétia do Sul. Segundo a agência de notícias Reuters, Tskhinvali está praticamente reduzida a escombros. Ainda ao som distante da artilharia, moradores saíram dos porões de suas casas e viram ruas cobertas de escombros e corpos espalhados pelo chão. ;É terrível. Nunca vi nada igual em toda a minha vida;, disse uma idosa. O Comitê Internacional da Cruz Vermelha estima em 40 mil os refugiados ; 10 mil georgianos e 30 mil ossetianos. O Ministério das Relações Exteriores da Rússia declarou que 2 mil pessoas morreram, em sua maioria civis ossetianos portadores de passaportes russos.
Condenação
A Casa Branca advertiu a Rússia sobre a escalada de tensão com a Geórgia, um aliado-chave dos Estados Unidos. ;Deixamos claro aos russos que se a escalada desproporcional e perigosa do lado russo continuar, isso terá impacto significativo a longo prazo nas relações entre EUA e Rússia;, afirmou Jim Jeffrey, vice-conselheiro de Segurança Nacional do governo norte-americano. O presidente George W. Bush voltou a exigir a ;imediata suspensão da violência; e alertou: ;Os Estados Unidos levam isso muito a sério;. Em Roma, o papa Bento XVI também clamou pela paz. ;Meu desejo mais vivo é que as operações militares tenham fim e que, em nome de um patrimônio cristão comum, nos abstenhamos de represálias que poderão provocar um conflito ainda maior.;
Retrato de uma família despedaçada
Zviadi havia se mudado recentemente para o prédio de número 12 da Rua Iliko Sukhishvili, em Gori ; cidade da Geórgia situada a 35km de Tskhinvali, capital da Ossétia do Sul, e a 75km de Tbilisi. Com 30 anos de idade, era casado e tinha um filho de 5 anos. No último sábado, a foto do corpo de Zviadi foi publicada nas capas de vários jornais do mundo. Em entrevista ao Correio, pela internet, David Bochorishvili, vizinho da família de Zviadi, contou que o rapaz fugia do prédio com a mulher grávida e o filho, quando o ataque russo começou. ;Zaza, irmão de Zviadi, o viu caído no chão e tentou ajudá-lo;, afirmou, ao descrever a imagem, um dos símbolos da guerra. De acordo com ele, a mulher de Zviadi está morta e a criança, desaparecida.
Entrevista - Robert Legvold: ;Ação militar de Moscou é ilegítima;
O conflito no Cáucaso já se disseminou por repúblicas separatistas e ameaça envolver outros países. O alerta é de Robert H. Legvold, especialista em política externa das ex-repúblicas soviéticas pela Columbia University (Nova York). Em entrevista ao Correio, ele considerou ilegítima a reação russa ao ataque georgiano a Tskhinvali, capital da Ossétia do Sul.
A ofensiva russa é exagerada?
A reação russa ; e não acho que seja uma reação à mobilização das tropas da Geórgia na Ossétia do Sul ; é desproporcional ao que Moscou considerava uma falha de Tbilisi. A Rússia reivindica que suas forças estão tentando restaurar a paz na área de conflito. Ao invés disso, parece que o governo russo busca remover qualquer meio de influência georgiana sobre a Ossétia do Sul e a Abcásia, além de reduzir os obstáculos para a anexação desses territórios. Isso é ilegítimo.
Há riscos à estabilidade da região?
O nível de confrontação militar não apenas entornou para além dos territórios separatistas, mas envolveu ações de outros países. Os ucranianos reagem ao uso da Frota Negra da Rússia, que tenta forçar o bloqueio de partes da costa georgiana. Kiev (capital da Ucrânia) já indicou que rejeitará permitir o retorno deses navios à base naval. E as reverberações políticas nas relações da Rússia com Europa e Estados Unidos são sérias.
A Rússia garante ter expulsado as tropas georgianas de Tskhinvali. Como o senhor vê isso?
Está claro que os líderes georgianos subestimaram a reação russa ao lançarem o assalto a Tskhinvali. Os russos e a Abcásia estão determinados a expulsá-las da Garganta de Kodori, a única porção da Abcásia onde eles tinham presença militar. Esse conflito terminará com uma grande derrota da Geórgia, mas a Rússia vai sofrer perdas consideráveis, como danos em suas relações com a Europa, com os Estados Unidos e com importantes vizinhos, como a Ucrânia.