WASHINGTON - Nelson Mandela, vencedor da luta contra o apartheid e ex-presidente da África do Sul, teve o nome retirado, durante a semana, de uma lista negra dos Estados Unidos sobre o terrorismo. A Casa Branca anunciou nesta terça-feira que o presidente Bush havia assinado a lei aprovada pelo Congresso, em tempo para as comemorações do aniversário de 90 anos, no dia 18 de julho, do prêmio Nobel da Paz e primeiro presidente negro da África do Sul entre 1994 e 1999.
O texto retira na realidade o Congresso Nacional Africano (o partido de Nelson Mandela) de uma lista do Departamento de Estado de organizações consideradas terroristas. A história atual de Mandela começou numa tarde de domingo, 11 de fevereiro de 1990, quando um negro de 71 anos e cabelos grisalhos deixou a prisão de Paarl, a 50 km de Cidade do Cabo, na África do Sul, depois de 27 anos, seis meses e seis dias de cárcere.
Debaixo de um sol forte e de mãos dadas com sua então mulher, Winnie, Nelson Mandela, chefe histórico do Congresso Nacional Africano (CNA), avançou a passos lentos, com o punho erguido, até a multidão de partidários que agitava bandeiras de cores preta, verde e amarela. Na Cidade do Cabo, outra multidão o esperava. Em Johannesburgo, no imenso setor negro de Soweto, 30 mil pessoas caminhavam dançando, tocando música e gritando de alegria até a casa da família Mandela.
O velho líder começava assim um caminho que culminaria com o fim do poder dos brancos e do regime do apartheid - de segregação racial -, em vigor desde 1948. Um processo que levaria Mandela da prisão à presidência da República, cargo que ocupou de 1994 até sua retirada voluntária, em junho de 1999. A libertação havia sido anunciada na véspera pelo último presidente branco da África do Sul, Frederik de Klerk, outro grande artesão do processo, com quem Mandela viria a compartilhar o Prêmio Nobel da Paz em 1993.
Mandela não deixou apenas uma obra. Também éi dono de um estilo inconfundível. As pessoas que se aproximaram dele foram conquistados pela aura de profunda humanidade de Mandela, ao mesmo tempo em que sentiam a "magia Mandiba" (seu nome de clã, convertido em sobrenome). Mandela também se fazia notar por suas camisas alegres, seu inigualável talento para a dança e pela simpatia surpreendente.
O mundo guarda na memória a imagem do primeiro presidente negro da África do Sul multirracial dançando ao final da cerimônia de posse, em maio de 1994. Mandela exibia um imenso sorriso e marcava o ritmo da música com os pulsos cerrados.
Nascia o "swing Madiba", rapidamente copiado e popularizado pelas rádios. Em qualquer reunião, conferência do CNA ou visita a uma escola, os sul-africanos pediam uma demonstração a Mandela e eram prontamente atendidos. Também apareceram as "camisas Madiba", grandes panos de seda coloridos usados por cima da calça, que alargavam ainda mais sua silhueta e iluminavam o rosto de bronze de Mandela. Uma alegria para os fotógrafos. "Camisas estranhas", comentou um dia seu sucessor, Thabo Mbeki, adepto dos trajes escuros.
Gostaria de descansar
Poucos chefes de Estado podem, sem parecer falsos, se dizer profundamente honrados em receber um visitante anônimo. Muito menos seriam capazes de interromper uma reunião de gabinete para perguntar sobre a saúde de uma jornalista grávida, como Mandela fez em certa ocasião, dando tapinhas no ventre arredondado da futura mãe com suas imensas mãos de pugilista.
Raros também são aqueles que se atrevem a rir de si mesmo, como quando Mandela confidenciou, com sua voz lenta e rouca, que deveria retirar-se da política enquanto existiam uma ou duas pessoas que o admiravam. "Ele é capaz de se abrir, de dizer coisas que outros não poderiam dizer e, ao mesmo tempo, guardar sua dignidade", disse sobre Mandela sua segunda mulher, Graça Machel.
De fato, o chefe de Estado de 80 anos criou um certo constrangimento quando, em visita à Líbia de seu amigo Kadafi, evocou seu amor por Graça Machel ao encerrar uma entrevista em que acabara de falar sobre o Congo, a criminalidade e os Direitos Humanos. "Estar apaixonado é uma experiência que todo homem deve experimentar. É tão maravilhoso para mim... seu amor fez com que eu me abrisse como uma flor", afirmou Mandela.
Ao afastar-se dos assuntos políticos cotidianos, Mandela foi proclamado "avô da nação" e "ícone da reconciliação", como definiu o arcebispo Desmond Tutu. ;Gostaria de descansar. Aprecio a perspectiva de deleitar-me na obscuridade", disse Mandela, ao deixar o cargo.