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Falta de sono envelhece, diz cientista

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ENTREVISTA - NIRINJINI NAIDOO

Em entrevista exclusiva ao Correio, a cientista sul-africana Nirinjini Naidoo, do Centro para Neurobiologia Respiratória e do Sono (Filadélfia, Estados Unidos), contou como descobriu que a falta de sono acelera o envelhecimento celular. De acordo com a especialista, a privação de repouso pode levar a danos celulares e à neurodegeneração e tem relação com doenças graves, como o mal de Parkinson e o mal de Alzheimer.

Correio ; Como a senhora descobriu que o sono inadequado pode exacerbar o envelhecimento celular na velhice?

Nirinjini Naidoo ; Já sabemos que existem mais distúrbios do sono na velhice, isso é, o sono é mais fragmentado. Em nossos estudos com ratos velhos, osbervamos uma importante fragmentação do sono - eles têm mais períodos de sono, porém mais curtos, e tendem a dormir mais durante o período alerta. Quando esses ratos são privados de sono, tornam-se incapazes de montar uma resposta adaptativa sugerindo que eles têm uma resposta ao estresse do retículo endoplasmático defeituoso ou "quebrado" (a resposta da célula ao estresse).

Descobrimos que os animais mais velhos possuem a desvantagem de já terem uma disfunção homeostática do retículo endoplasmático. Quando isso se soma à perda de sono, torna o problema ainda pior. Também se sabe que animais idosos não conseguem recuperar a maior parte do sono perdido. Acreditamos que o sono é restaurador. Durante o sono, macromoléculas são produzidas - elas são necessárias para a integridade e o funcionamento da célula. Acreditamos que a perda ou a fragmentação de sono, aliada à reação de desdobramento de proteínas (UPR) - resposta ao estresse celular ligado ao retículo endoplasmático - e menor recuperação do sono criam um feedback vicioso que leva ao dano celular e à neurodegeneração.

Correio ; Qual é o papel do acúmulo de proteíndas no retículo endoplasmático das células do cérebro?


Nirinjini Naidoo ; Quando as proteínas nas células são sintetizadas, a proteína tem que ser revestida de forma correta para cumprir sua função. As proteínas que são secretadas ou ligadas à transmembrana obtêm seu revestimento no retículo endoplasmático - se tudo funciona bem, as proteínas revestidas deixam essa parte da célula. Quando há um estresse do retículo endoplasmático (durante a hiperglicemia, a privação de sono, as infecções virais ou o desbalanço de energia), as proteínas não são recobertas. Essas substâncias tendem a se agregar. Por sua vez, a agregação leva à toxicidade da proteína. Se isso ocorre nos neurônios, pode desencadear a lesão ou a morte dos neurônios.

Correio ; E qual é a tarefa da resposta de proteína descoberta nesse processo?


Nirinjini Naidoo ; O retículo endoplasmático é uma organela na qual ocorre a síntese das proteínas. É como se fosse um sistema de controle de qualidade. As proteínas corretamente sintetizadas são secretadas para fora dela. As proteínas que não são sintetizadas acabam destruídas por um processo conhecido como degradação associada do retículo endoplasmático (Erad) pelo proteassomo (uma máquina de degradação de proteínas). Quando o retículo endoplasmático está sobrecarregado com algum tipo de estresse, as proteínas param de ser sintetizadas. Quando isso ocorre, um mecanismo de proteção chamado de resposta de proteína descoberta (UPR) é acionado.

Três coisas ocorrem quando o UPR é ligado: a síntese protéica é desligada, o que faz com que menos proteínas sejam produzidas e revestidas no retículo endoplasmático; mais chaperonas (proteínas que auxiliam no enovelamento protéico) são produzidas; e há um aumento na degradação das proteínas descobertas no Erad. Então, quando jovens animais saudáveis se defrontam com um desafio de estresse do retículo endoplasmático - como a privação de sono -, eles saõ capazes de montar UPR e lidar com o estresse. O estresse do retículo endoplasmático é aliviado e as células dos neurônios continuam a funcionar normalmente. Quando partes da UPR não funcionam bem em animais velhos, um desafio como a privação de sono acentua os déficits pelo caminho.

Correio ; Qual a ligação entre a não-síntese de proteínas e os males de Alzheimer e Parkinson?


Nirinjini Naidoo ; Tanto o mal de Parkinson como o de Alzheimer são caracterizadas, no nível neuropatológico, pelo acúmulo de proteínas descobertas. O cientista holandês Jeroen Hoozemans demonstrou a ativação da UPR no tecido de cérebros de pacientes mortos com Parkinson e Alzheimer. Não há evidências diretas de que alguém que dorme mau teria mais suscetibilidade a essas doenças. De qualquer modo, é possível que a perda de sono na ausência da proteção celular adaptativa aumenta a vulnerabilidade a doenças causadas pela falta de síntese de proteínas.

Correio ; É possível dizer que um homem que dormir pouco pode ter suas células envelhecendo mais rapidamente?


Nirinjini Naidoo ; Se nós acreditamos que o sono é restaurador e permite às células construir macromoléculas necessárias para a função celular e a integridade, então distúrbios do sono são nocivos e podem contribuir com o envelhecimento celular.