A União Européia terá talvez no segundo semestre, com a eleição para seu Parlamento, a oportunidade de imergir a fundo no debate político de sua integração e aplainar o terreno para evitar novo fiasco como o do Tratado de Lisboa. Como ensinam os dirigentes do bloco quando se oferecem para ajudar o processo tortuoso em andamento na América do Sul, marchas e contramarchas são normais. Mas, apenas três anos depois da derrota retumbante da Constituição européia em referendos na França e Holanda, o "não" dos eleitores irlandeses à reforma mais modesta costurada para substituir o ambicioso texto original devolve a UE à crise, agora talvez mais profunda.
O Tratado de Lisboa mexia inclusive com a representação dos 27 países-membros no Europarlamento. Para os que se sentem sub-representados, a perspectiva de esperar mais quatro anos pela revisão poderá ser um balde de água fria. Não é de agora que os cidadãos comuns torcem o nariz com desconfiança para todas as instituições com prefixo "euro" e endereço em Bruxelas, a sede do bloco. A exceção é o euro, a moeda única e forte, que virou âncora da estabilidade. Os eurocratas personificam a imagem de um poder centralizado, auto-suficiente, alheio aos reclamos e necessidades de um continente submetido aos impulsos contrários da integração e da identidade nacional e local.
Por essas e outras, tem sido recorrente o uso do discurso anti-Bruxelas com o horizonte nos interesses nacionais ; foi assim na França, em 2005, quando o referendo fez a festa dos adversários do presidente Jacques Chirac em ambos os extremos do espectro político. Daquela vez, a solução foi renegociar o tratado para atender os descontentes. O risco de repetir a fórmula, agora, é estimular um processo interminável no qual maiorias eventuais, em um único país, mantenham o restante do bloco refém de suas reivindicações não-atendidas.