;Integração monetária perfeita requer condições;
O presidente Lula afirmou ontem, durante o programa Café com o Presidente que, com a criação da União Sul-Americana de Nações (Unasul), a região caminha para a criação de uma moeda comum e de um banco central único. O Correio entrevistou o Coordenador da Pós-Graduação em Comércio Exterior da UFRJ, Prof. Edson Peterli Guimarães sobre o tema:
Como se daria este processo de integração monetária?
Essa integração monetária já existe, no sentido das trocas de moedas estrangeiras por moedas nacionais. A questão é que as moedas representam "poder de compra" no presente ou no futuro: depende de quem compra ou vende. Assim, quando uma moeda nacional é trocada por outra estrangeira, geralmente isso ocorre porque os valores relacionados aos poderes de compra hoje ou no futuro -- causados por movimentos especulativos -- entre os países envolvidos são diferentes. Uma integração monetária ágil e perfeita requer que as taxas cambiais não sejam manipuladas e encontrem a paridade adequada ao equilíbrio entre os poderes de compra dos países sul-americanos. Neste sentido, a integração monetária não é trivial. Os países utilizam o câmbio tanto como variável de ajustamento macroeconômico como de comércio exterior. Em termos de comércio exterior, atualmente muitas das transações internacionais na região podem ser estabelecidas pelo Convênio de Crédito Recíproco (CCR) que consiste na utilização de uma câmara de compensação sul-americana, onde as transações comerciais entre os países da região podem ser estabelecidas em moedas nacionais, liberando as moedas mais fortes (dólar ou euro) para demais transações ou outras finalidades. Isto constitui um avanço, mas ainda está longe da integração monetária. Lembre que anteriormente pensou-se em uma moeda única para o Mercosul e a idéia até hoje não vingou.
Quais os passos necessários para consegui-la?
Para se instituir uma integração monetária voltada para o equilíbrio entre as paridades das moedas, os países sul-americanos deveriam abdicar em grande parte de sua política monetária voltada para obtenção do pleno emprego em seus países em favor do pleno emprego na região sul-americana, e isso não parece factível atualmente. Embora objetivem o pleno emprego, os países têm interesses distintos em termos de suas políticas industriais, de energia, sociais e outras. De fato, o alcance dessa integração depende de esforços bastante significativos em termos diplomáticos e de geopolítica. Eles teriam que se comprometer na manutenção das paridades estabelecidas. Na União Européia esse comprometimento ficou conhecido como efeito Serpente. Se algum país signatário do acordo alterasse o câmbio significativamente, os demais alterariam na mesma direção. Em outras palavras, paridades entre as moedas dos países integrantes eram mantidas e se modificavam na mesma magnitude em relação às moedas dos países não pertencentes a UE.
Quais as vantagens e desvantagens de um banco central único e de uma moeda única na região?
As vantagens são significativas. Não se consegue pensar em moeda única com países diferentes. A rigor, nos processos de integração entre países este é o último estagio, pois as diferenças em termos de remuneração dos fatores de produção (terra, trabalho, capital, para citar os mais simples) são anuladas. Para se chegar a este estágio, as políticas (quase todas: educacional, relativas ao mercado de capital, salarial, previdenciária e outras) dos países devem convergir para a igualdade. Neste estágio, embora possamos falar ainda em países, as teorias de comércio internacional não se prestam, pois a teoria existe enquanto os países são diferentes. No caso brasileiro e de forma mais ampla no caso do Mercosul, os ganhos são substanciais, tendo em vista que vários países sul-americanos estão estabelecendo isoladamente acordos preferenciais de comércio com os Estados Unidos e algumas empresas originarias dos países do Mercosul já estão, ou pensam, em estrategicamente se posicionarem nesses países para usufruírem do mercado norte-americano. Com uma moeda única isso não seria requerido.
O país não perderia em soberania e em capacidade de utilizar a política monetária, como por exemplo, para o controle da inflação?
O Brasil mantém certa predominância econômica na América Latina. Nosso Produto Interno Bruto (PIB) contribui com mais de 50% do PIB latino-americano. Claramente em um projeto desse porte o Brasil teria voz majoritária e, acredito, habilidade política para obter adesões dos demais, sem prejuízo de sua política monetária. O exercício do controle de preços seria, por exemplo, em um projeto desta envergadura, atraente a todos, sob pena de arrastar todos os demais a um processo inflacionário semelhante.
O senhor considera este projeto viável?
Sim. É necessário que as idéias sejam sedimentadas de modo a que se sobreponham as conveniências políticas imediatas. Isso, contudo, demande um esforço grandioso. Lembre que, pelo estatuto de criação da Unasul, "Qualquer Estado Membro poderá eximir-se de aplicar total ou parcialmente uma política aprovada, seja por tempo definido ou indefinido, sem que isso impeça sua posterior incorporação total ou parcial àquela política. No caso das instituições, organizações ou programas que sejam criados, qualquer dos Estados Membros poderá participar como observador ou eximir-se total ou parcialmente de participar por tempo definido ou indefinido".