Silvio Queiroz
da equipe do Correio
Se restasse alguma dúvida de que uma nova geração está chegando ao Kremlin com a posse de Dmitri Medvedev, uma única faceta do novo presidente da Rússia bastaria para convencer os céticos: passados menos de 10 anos desde a saída do notório Boris Yeltsin, o país está sob o comando de um abstêmio convicto, que se permite vez por outra uma taça de bom vinho ; não vodca ; mas prefere mesmo sucos de fruta ou chá verde.
Com 42 anos de idade, Medvedev é um "workaholic saudável", ao menos pelo que descrevem os perfis semi-oficiais da imprensa russa, que se tornou progressivamente dócil sob o governo de Vladimir Putin, mentor e padrinho político do sucessor. Segundo o Komsomolskaia Pravda, antigo diário da Juventude Comunista, sob o regime soviético, o novo presidente acorda diariamente às 8h, embora vá se deitar às 2h. Nada 1.500m em uma hora, faz exercícios e volta à piscina no final da tarde ; ao todo, no mínimo duas horas e meia dedicadas diariamente ao preparo físico. Sem contar as sessões de ioga.
Dmitri Medvedev não é apenas o primeiro dirigente russo, desde a revolução de 1917, que não teve "relações carnais" com o Partido Comunista, embora tenha passado a infância e a juventude em Leningrado. Hoje, a cidade onde ele foi iniciado na política por Putin, um veterano espião da KGB soviética, se chama novamente São Petersburgo, como nos tempos imperiais. Por sinal, o novo senhor do Kremlin é também o chefe de Estado mais jovem do país desde o czar Nicolau II, que subiu ao trono com menos de 30 anos, em 1894, e 13 anos depois viu a monarquia ruir sob seus pés. Acabou fuzilado pelos bolcheviques, com mulher e filhos, em 1918.
As comparações entre Dmitri e Nicolau terminam na juventude, mesmo porque os próprios adversários resistem à tentação de menosprezar a experiência política quase nula do terceiro presidente da Rússia pós-soviética. Se é verdade que Medvedev acaba de debutar nas urnas ; e logo com 70% da votação ;, nos últimos oito anos ele seguiu de perto os passos de Putin. Ao contrário do príncipe que sucedeu prematuramente ao pai, não é um jovem desamparado, mesmo porque o mentor continuará por perto, como primeiro-ministro. A maioria dos russos votou em Medvedev justamente como atalho para dar a Putin o terceiro mandato, mas há analistas que aguardam para ver o que há sob as aparências.
O novo presidente russo é retratado como legítimo representante da nova classe média, embora faça questão de lembrar a infância no subúrbio proletário de Kupchino, filho de professores universitários. Da adolescência vivida nos anos de franca decadência da União Soviética, ele gosta de lembrar seus sonhos de consumo, ícones da "cultura ocidental decadente": uma calça de jeans Wrangler e o álbum The Wall, da banda inglesa Pink Floyd. Medvedev não chega amar os Beatles e os Rolling Stones, mas em sua vasta discoteca, que inclui numerosos vinis, o lugar de honra está reservado para clássicos do rock dos anos 1970: além do progressivo Pink Floyd, os "metaleiros" Deep Purple, Back Sabbath e Led Zeppelin.
Reminiscências do tempo de colegial, quando conheceu a mulher, Svetlana. Os dois se formaram juntos, em 1982, se casaram anos mais tarde e em 1996 tiveram o filho (até aqui) único, Ilia. Orgulhoso dos "bicos" que fez trabalhando pesado (até limpando neve) enquanto cursava Direito, Medvedev também faz questão de mostrar que hoje combina hábitos sofisticados, cosmopolitas e contemporâneos. Na última categoria se enquadram a familiaridade com a internet e a preferência pelos quadriciclos e trenós motorizados aos carros ; consta que não dirige um há anos. À mesa, escolhe pratos refinados da cozinha de vários países, ultimamente com uma queda pelo sushi. Raramente vai ao cinema: prefere assistir em casa a filmes cult, russos e europeus. Lê os clássicos russos, como Dostoyevsky e Chekhov.
Mas, para não deixar de ser totalmente russo, abre mão dos requintes por uma boa partida de futebol, principalmente se for da seleção nacional.