Carlos da Fonseca*
A campanha de Hillary Clinton pela indicação do Partido Democrata passou, no espaço de alguns meses, da estratégia de blitzkrieg à guerra de trincheiras, e dessa a uma espécie de ;guerrilha eleitoral;. Nessa derradeira fase, a senadora não pretende mais aniquilar o adversário ou mesmo minar-lhe a resistência. Contenta-se com calibrar expectativas de forma a transformar um resultado negativo em algo que se perceba como vitória. Com isso, ganha tempo e fôlego, e espera por tempos melhores, que, no entanto, teimam em não vir.
Hillary já havia feito isso em março, quando, enfraquecida por uma série de derrotas, insistiu em que uma vitória, ainda que apertada, nas prévias de Ohio e Texas, seriam a prova cabal de sua maior solidez eleitoral. Cabia a Obama, que a superava em número de delegados e no voto popular, a obrigação de derrotá-la nos dois estados, sob pena de revelar-se um ;candidato frágil;. A idéia, de tanto ser repetida, firmou-se no imaginário coletivo do eleitor. Na narrativa da campanha, a vitória da senadora nos dois estados, até certo ponto previsível, acabou sendo apresentada como uma ;ressurreição;.
Em meio às prévias da Pensilvânia, repete-se o script. Em dezembro, Hillary liderava por 33 pontos. Hoje, a vantagem é de apenas 6. Nesse ínterim, mudou o discurso da candidata. Poucas semanas atrás, sua equipe apostava em uma vitória por ;esmagadores; 20 pontos de diferença. No último dia 14, Ed Rendell, governador do estado e admirador de Hillary, esclarecia que, historicamente, uma vitória na Pensilvânia faria jus ao adjetivo quando superasse os 6 pontos de vantagem.
Manobras como essa soam cada vez mais ociosas, capazes apenas de adiar por mais alguns dias desfecho que se vê crescentemente inevitável. A matemática, afinal, é impiedosa para com a senadora: organizados em equação, os números de delegados conquistados e a conquistar revelam chance cada vez menor de vitória (menos de 20%, segundo o instituto Rasmussen).
Os problemas que enfrenta Hillary não se explicam nos pequenos tropeços de campanha, como a recente ;gafe; da Bósnia. Tampouco resultam de falta de dinheiro, estrutura, apoio político, ou das conseqüências de algum grande escândalo, como o que derrubou Gary Hart em 1988.
Até janeiro, a popularidade da candidata era enorme, sua equipe reunia profissionais de primeira linha e os fundos arrecadados superavam as expectativas. Hillary era claramente a favorita. Sua campanha, no entanto, não havia sido seriamente testada até a prévia de Iowa. Ao enfrentar a rivalidade do fenômeno Obama, revelou falha estratégica que, por não ser corrigida a tempo, levou à situação atual.
O grande erro da senadora foi promover o que os americanos chamariam de uma incumbent campaign, uma campanha de favorito, quase que ;de reeleição;, como se Hillary, já presidenta, concorresse a um segundo mandato. A escolha parecia lógica, dada a origem da senadora e a ausência de concorrente à altura. Dois problemas surgiram, no entanto.
Em primeiro lugar, o fato de que a campanha, ao enfatizar a experiência da candidata e pautar-se por seu favoritismo absoluto, salientou sua proximidade com o establishment de Washington, no momento exato em que a rejeição aos políticos em geral, e ao presidente em particular, atingia patamares históricos.
Em segundo lugar, o surgimento de Barack Obama, figura nova no cenário político americano, cuja campanha soube tirar proveito do estado de espírito do eleitor, fazendo da palavra ;mudança; o centro de sua estratégia.
Quatro anos atrás, Howard Dean ensaiara estratégia semelhante. No início de 2004, era considerado favorito exatamente por representar o novo. Inovara ao apostar em estados de menor tradição democrata. Inovara ao apelar para a contribuição de pequenos doadores, através da internet. Inovara ao declarar-se aberta e inequivocamente contrário à guerra do Iraque.
John Kerry, no entanto, acabou ganhando a nomeação. Duas razões principais explicaram a escolha: sua maior experiência e a timidez do sentimento pró-mudança. Bush, à época, ainda tinha 50% de aprovação.
Barack Obama é uma versão renovada de Howard Dean. Sua campanha inspirou-se na do ex-governador, da aposta nos pequenos estados à estratégia de arrecadação. Hillary Clinton, por outro lado, apresentou-se como um novo Kerry, experiente e supostamente melhor preparada para ser a ;comandante-em-chefe; da nação. A repetir-se o cenário de 2004, Hillary estaria em vantagem. O problema é que, quatro anos depois, o país mudou ; e o eleitorado democrata quer que mude ainda mais.
* Mestre em políticas públicas pela Universidade Harvard. Professor do Instituto Rio Branco