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O fazer em evidência

A educação mão na massa ultrapassa as barreiras dos jardins de infância e, agora, transita entre as mais diversas fases do ensino. O estímulo a atividades práticas em sala de aula tem mostrado bons resultados e indicado um caminho a se seguir

Por que para avançar é preciso parar de sentir? Nos anos iniciais de aprendizagem, a criança se depara com uma sala de aula estrategicamente organizada para a interação, onde o fazer com as próprias mãos é estimulado a cada instante. Ao passar dos anos, as rodinhas dão lugar às carteiras enfileiradas e o professor, que antes transitava entre os alunos, agora se posiciona em frente a um quadro, fazendo anotações e exposições. Em meio a uma sociedade bombardeada de informações, em que crianças e adolescentes saturados de conteúdos têm cada vez mais dificuldade de se conectarem em sala de aula, surge uma nova proposta: o resgate da aprendizagem mão na massa.
;O termo vem do inglês Maker-Centered Learning (MCL), desenvolvido pelo chamado Project Zero, da Harvard Graduate School of Education. Ele é utilizado quando as estratégias pedagógicas priorizam o fazer. Na aprendizagem mão na massa, os alunos e professores trabalham em parceria, numa relação totalmente horizontal, em que todos podem aprender e ensinar alguma coisa;, explica Samara Brito, professora, pesquisadora e cofundadora do Amplifica, uma organização que busca implementar experiências pedagógicas inovadoras.
No Centro de Educação 3 do Guará, um projeto que tem como base na metodologia mão na massa despertou o interesse dos alunos. Em grupo, eles foram desafiados a construírem barcos a partir de materiais recicláveis e, depois, foram até o Lago Paranoá para competir. O responsável pelo projeto e professor de educação física João Pedro Alves conta que, além de propor uma atividade física com olhar sustentável, a iniciativa explorou disciplinas como geografia, ciências, física e matemática.
;Ao trazer o que existe na teoria para a vida real, a compreensão do aluno é outra, já que ele consegue usar conceitos e cálculos nos quais antes não via aplicabilidade. Além de conseguir trabalhar diversas disciplinas, o projeto aproximou a turma, trabalhou o espírito de equipe e a colaboração;, detalha.
O educador revela que a ideia vem dos tempos em que era aluno, quando o professor de química Peterson Paim ; atualmente, coordenador pedagógico da escola ; introduziu a prática. ;Ela mexeu tanto comigo que decidi reproduzir. Onze anos depois, continua sendo uma novidade para os alunos, o que acaba mostrando como o ensino ficou estagnado;, avalia.
Implementar e valorizar propostas como essas será uma das prioridades de governo, segundo o secretário de Educação do Distrito Federal, Rafael Parente. Ele concorda que a maioria das escolas ainda se mostra conservadora no fazer pedagógico e acaba não acompanhando os avanços tecnológicos, que trouxeram mudanças nas relações sociais.
;Estamos no começo de uma quarta revolução industrial, o que traz uma série de transformações. A sociedade mudou e a aprendizagem que casa a prática com a teoria é uma macrotendência mundial comprovada cientificamente. Por isso, precisa ser amplamente implementada em nossas escolas;, afirma.
A demanda por parte dos estudantes, que cada vez se torna mais forte e clara, vem exigindo que instituições desenhem e apliquem a metodologia mão na massa. No ensino básico do Sesi-DF, por exemplo, educadores investem em ambientes tecnológicos e atividades práticas, como salas de matemática voltadas à resolução de desafios e a proposta de diferentes projetos como forma de aprendizado.
;A metodologia dá sentido ao conhecimento, além de permitir que a avaliação seja processual e não pontual, passando a ser, portanto, parte integrante do processo de formação, no qual o aluno se torna protagonista da própria aprendizagem;, destaca a coordenadora de educação da instituição, Núbia Rosa.
Para o estudante do colégio Lucas Sampaio, 17 anos, o papel ativo nas atividades mudou a perspectiva que tinha sobre educação e auxiliou nas relações interpessoais. ;Na prática, o entendimento de um conceito é muito melhor, não fica só no nosso imaginário. Além disso, essa ferramenta acaba nos preparando melhor para a vida. Eu, por exemplo, era muito tímido. Tendo que desenvolver projetos em grupo e apresentá-los, eu me tornei muito mais seguro e entrosado;, garante.
Participante frequente de torneios de robótica pelo colégio, Lucas, ao lado dos colegas de equipe, vai representar o DF em um torneio nacional. Na fase regional, os participantes foram desafiados a pesquisar sobre viagens e a vida no espaço, explorando temas como foguetes, satélites, comunicação, sobrevivência, aspectos psicológicos de uma viagem espacial. A ideia da equipe de Lucas, a Lego Field, trouxe um equipamento, instalado no traje do astronauta, que identifica e alerta grandes alterações na frequência cardíaca. ;É um torneio atrás do outro. Sempre um entusiasmo e uma oportunidade de viver esse espírito de colaboração. E isso me deu mais preparo para a vida e para o mercado de trabalho.;

Experiências


Dar ao aluno autonomia para produzir a partir de um processo colaborativo entre professor, aprendiz e demais colegas permite o desenvolvimento não só de matérias e conceitos básicos de diferentes disciplinas, mas também das competências socioemocionais. Foi a partir dessa premissa que a Gerência de Saúde do Estudante da Secretaria de Educação do DF decidiu implantar o projeto Endereços de Mim, voltado a estudantes que sofrem algum tipo de vulnerabilidade ou estão incluídos em contexto de violência.
;Desenvolvemos 11 ações em que o estudante é sempre o protagonista. Elas incluem desde experiências com aromas, sabores, movimentação corporal a produção de cartas e poesias, cultivo de plantas, confecção de joias. Explorando os sentidos desses jovens e os acolhendo, conseguimos fazer com que eles se expressem e fortaleçam o lado psicossocial;, explica a facilitadora do projeto Frankesliny Barbosa.

Em quatro meses, desde a implementação, o projeto atendeu 81 jovens, entre eles, Marina*, 17. Apresentando um quadro de ansiedade, depressão e autoexclusão, ela foi indicada para participar das atividades. ;Foi um momento muito ruim, não conseguia fazer nada direito, nem estudar nem interagir. O projeto me deu muita autoconfiança. Consegui me abrir, lidar com meus problemas e fortalecer meu emocional;, conta.
Marina ressalta, ainda, que vê as dificuldades que enfrentou presentes em muitos outros colegas, e acredita ser necessário ampliar ações como essa. ;Quando as escolas esquecem de trabalhar esse lado emocional, os jovens ficam com a formação incompleta. Se fosse trabalhado dentro de toda sala de aula, teríamos muito menos conflitos com os outros e com a gente mesmo.;
* Nome fictício

Reinventando a educação

Estudantes que vieram de uma nova era e, como ela, querem mudança nas escolas. Neste cenário, um dos grandes desafios impostos para os educadores está justamente na capacidade de reinventar a forma de conceber a educação, garantindo que o aluno seja o eixo central do processo cognitivo.
O papel do professor se torna ainda mais fundamental quando deixa de ser mero transmissor de conteúdo para assumir diferentes papéis: mediador, orientador, pesquisador de novas práticas e, inclusive, aprendiz, já que, na nova escola, o professor também se permite aprender ao longo do processo.
;Cabe ao educador estruturar e facilitar a experiência de aprendizado para incentivar os alunos a trabalharem juntos e se sentirem responsáveis por compartilhar informações e ideias, bem como desenvolver suas habilidades e conhecimentos. Para isso, o professor deve projetar experiências que investigam os interesses dos alunos, provocam o envolvimento deles com diferentes áreas do conhecimento e os ajudam a entender como fazer mudanças em suas vidas e em suas comunidades;, afirma a professora e pesquisadora Samara Brito.