A vida do estudante Lucas Carvalho, 17 anos, não é mais a mesma desde a última quarta-feira. Conseguir uma vaga em medicina na Universidade de Brasília (UnB) já é um feito e tanto, mas a alegria do jovem foi ainda maior quando descobriu que se classificou em segundo lugar pelo sistema de concorrência para alunos de escolas públicas, com renda familiar de até 1,5 salário mínimo e autodeclaração de preto, pardo ou indígena.
Filho de uma diarista e de um entregador de bebidas, o morador do Sol Nascente vendia brigadeiros na escola para pagar o curso pré-vestibular. Quando criança, sonhava em ser músico. Saxofonista profissional, concluiu o ensino fundamental na Escola de Música de Brasília. O objetivo era permanecer no colégio durante o ensino médio e iniciar o curso técnico de música para garantir a carteira de músico. Entretanto, após sofrer um acidente em uma pista de patinação no gelo num shopping, aos 14 anos, quando estava no 9º ano do ensino fundamental, Lucas mudou de ideia. Vivenciar intensamente o ambiente hospitalar, perceber o quanto o sistema é carente e testemunhar a dedicação dos profissionais da saúde despertou nele a vontade de ser médico. “Eu cheguei ao ensino médio a todo gás, pensando: vou fazer medicina”, relembra.
O jovem mora apenas com a mãe, Ana Paula de Carvalho, 46. Ela não terminou os estudos e lutou para que o futuro do filho fosse diferente. Quando Lucas contou que queria fazer medicina, ela não hesitou e duplicou a jornada de trabalho para pagar um cursinho preparatório. A funcionária doméstica e diarista conta que chegava a chorar de cansaço, mas o resultado valeu a pena. “Hoje eu digo que, no dia em que eu me for, vou tranquila porque sei que a vida dele está estruturada”, afirma. A força e o apoio da mãe são reconhecidos por Lucas. “Ela sempre foi a minha maior inspiração”, diz.
Lucas era um dos únicos alunos negros e de escola pública da turma que frequentou, por três anos, no cursinho Exatas, onde tinha 30% de bolsa. Os comentários racistas que ouvia dos colegas fizeram com que ele repensasse a escolha algumas vezes. “Eu tive medo de estar envolvendo as pessoas que amo em algo que podia não ser real por causa das minhas condições”, confessa. O preconceito, porém, se transformou em motivação. O calouro adotou a sigla Esum para a vida, que significa Eu serei um médico. “Eu escrevia isso em todos os lugares e ficava sempre repetindo”, conta.
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O adolescente estudou o 2º e o 3º anos no Centro de Ensino Médio Ave Branca (Cemab), em Taguatinga. O futuro cirurgião cardíaco garante que não abandonará as raízes. Para ele, a maior realização será trabalhar na comunidade. “Imagine atender as pessoas com quem convivi na infância, minha família... Eu sonho com isso todos os dias”, relata.
Com a igreja Comunidade Cristã da Aliança, que Lucas frequenta, ele fez um levantamento e descobriu que 80% da vizinhança não tem ensino fundamental completo. Ele deseja transformar essa realidade. “Eu quero mostrar que o estudo, a perseverança e a garra podem mudar uma vida”, descreve.
Passar na UnB foi o primeiro passo: manter-se durante a graduação em medicina exigirá muito esforço da família. Para bancar os custos com os materiais da faculdade, Ana Paula pretende arrecadar roupas para fazer um bazar e continuar trabalhando em dobro. Lucas quer ampliar a marca de doces e vender brigadeiros na universidade.
A história de superação de Lucas começou ainda antes do nascimento: Ana Paula teve toxoplasmose durante a gravidez, e médicos chegaram a dizer que ele nasceria com algum problema ou ficaria em estado vegetativo. A evolução do menino sobrevivente surpreendeu a todos: aos 8 anos, ele já estava na classe para alunos com altas habilidades.
Mesmo frente às adversidades, o estudante, que precisava pegar quatro conduções diárias para estudar e carregava uma mochila com cerca de 15kg de materiais, nunca se deixou abater. O esforço será recompensado: Lucas será médico.
*Estagiária sob supervisão da subeditora Ana Paula Lisboa