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O assassinato do faraó

Tomografia computadorizada feita nos restos mortais de Ramsés III prova que faraó foi assassinado com um corte na garganta

Os ingredientes são dignos de um best-seller: o domínio de um império ultramarino, uma conspiração no harém, a traição da famíla e, por fim, um rei morto, levado para a tumba com um segredo que permanece guardado por 3 mil anos. O último capítulo não poderia ser mais incrível: passados 32 séculos, o mistério é solucionado ; um ferimento no pescoço e um amuleto encontrado dentro da múmia revelam que o último grande faraó do Egito foi assassinado em um complô pelo trono. Essa, porém, é uma história verdadeira, cujo epílogo foi publicado ontem na revista científica British Medical Journal.
Historiadores, paleoantropólogos, geneticistas, radiologistas e especialistas em múmias aliaram documentos antigos à tecnologia moderna para descobrir a causa da morte de Ramsés III, cujo reinado, de 1187 a.C. a 1155 a.C., foi o derradeiro antes que o país perdesse sua supremacia. Os pesquisadores esperam encerrar um amplo debate entre egiptólogos que, até hoje, não sabem e o faraó teria sido assassinado ou morrido naturalmente.

Uma forte pista aponta para a primeira opção: o Papiro da Justiça de Turim, escritura oficial da época, revela o desmonte de uma conspiração contra o governante. O texto não deixa claro, contudo, se os rebelados conseguiram matar o rei ou se ele ainda estava vivo quando os envolvidos
no complô foram julgados.

Imagens

Um exame de tomografia computadorizada realizado na múmia de Ramsés III, que fica no museu do Cairo, reforça a ideia do assassinato. As imagens identificaram um corte no pescoço do faraó, feita enquanto ele ainda estava vivo. ;Oferimento só pode ser visto por tomografia;, diz Zahi Hawass, ex-ministro de Antiguidades do Egito e um dos autores do estudo. Hawass, egiptólogo que usou a mesma técnica para estudar a causa da morte de outro faraó, o jovem Tutancâmon, conta em um comunicado de imprensa que o corte afiado estava escondido pelas bandagens da múmia. ;Estava claro que Ramsés (III) morreu em 1155 a.C., por volta dos 65 anos, mas só agora sabemos como;, afirma.



O Papiro da Justiça de Turim, guardado pelo Museu Egípcio da cidade italiana, é o único da história
antiga egípcia que relata um julgamento criminal. Outros dois papiros sobre o complô, o de Lee e o de Rollin, ajudam a recontar a trama, que inclui entre os principais protagonistas a segunda esposa de Ramsés III e seu filho Pentwere, que ela teve com o rei.

Tiye, único nome pelo qual a mulher é conhecida, contou com a ajuda de outras pessoas, incluindo chefe de seus aposentos, um copeiro,umgeneral,um sacerdote e um feiticeiro. Todos foram julgados e, provavelmente, condenados à morte. Um dos trechos do Papiro da Justiça lembra que os sentenciados ;tiraram suas próprias vidas;, ao se envolverem na conspiração.

Sucessão
Foi no Palácio Real das Mulheres, onde o faraó mantinha suas duas esposas e seu harém, que Tiye começou a tecer as intrigas que, de acordo com o estudo publicado ontem, culminaram no assassinato de Ramsés III. Tiye tinha motivos para querer matar o marido. Ela não era a primeira esposa, posto ocupado por Iset Ta-Hemdjert, cujo filho era mais velho que Pentwere.

O faraó cometeu um erro grave: depois da morte do primogênito e da criança que nasceu em seguida, ele não coroou os demais filhos como príncipes. Também jamais nomeou Iset nem Tiye como Grande Esposa Real. Ramsés III, portanto, deixou brechas na sucessão, pois não havia um nome oficial para ocupar o trono depois de sua morte, cada vez mais iminente. Na Antiguidade, quando a expectativa de vida média não chegava aos 30 anos, uma pessoa com 65 era considerada muito velha.

Apesar da falta de um nome oficial, naturalmente, por ser mais velho, acreditava-se que o filho de Ramsés III com Iset deveria reinar sobre o Egito. De fato, depois da morte do pai, ele foi nomeado Ramsés IV. Era isso que Tiye queria evitar quando armou o complô contra o marido. Seus planos incluíam depor o faraó e, com a ajuda dos outros conspiradores, afastar Iset e coroar Pentwere. O rei pode ter morrido, mas a rebelião não deu completamente certo, pois foi descoberta pelos oficiais de
Ramsés III.
A grande dúvida que surgiu sobre o paradeiro do faraó é que alguns trechos do papiro sugerem que ele conduziu pessoalmente o julgamento. ;Os textos implicam que a Corte recebeu instruções diretas do rei, que, portanto, teria sobrevivido ao ataque;, diz o artigo publicado no British Medical Journal. Ao mesmo tempo, algumas partes do documento se referem a Ramsés III como;O grande deus;, significando que havia morrido antes ou durante as deliberações.

;A única linha interpretada especificamente pelos egiptólogos como uma possível metáfora para assassinato é ;derrubada da árvore real;. Dada a natureza inconclusiva das evidências textuais e a falta de qualquer causa óbvia da morte detectada por estudos forenses prévios, acadêmicos têm listado uma variedade de possibilidades: o rei foi ferido e morreu em decorrência, o complô foi completamente derrotado ou a tentativa (de assassinato) foi bem-sucedida;, contam os autores do estudo.

Punições
De acordo com Albert Zink, paleoantropólogo do Instituto e Múmias da Academia Europeia de Bolzano e principal autor do artigo, a tomografia computadorizada não deixa mais dúvidas de que Ramsés III foi assassinado, ainda que não tenha morrido na hora. ;Ele foi morto por um corte profundo na garganta. Finalmente, foi solucionado o grande mistério do Egito antigo, pois agora sabemos o que realmente ocorreu na Conspiração do Harém;, garante.

Zink apresenta outra evidência do crime: ;As imagens mostraram também um pequeno amuleto inserido no ferimento. Viemos a saber que se tratava do olho de Hórus, que estava associado à saúde, e deveria curar o faraó na outra vida;, diz. O objeto foi colocado no corpo de Ramsés III durante os rituais de mumificação. ;O Papiro deTurim indica que o complô falhou e que todos foram
condenados, mas não mostra que havia ocorrido com o próprio Ramsés III. Graças ao nosso
estudo, agora nós sabemos com certeza.;

Os cientistas também investigaram uma múmia encontrada no século 19 no famoso complexo mortuário de Deir el-Bahri, que abriga o templo fúnebre de Ramsés III.Trata-se deumindivíduo
sem identificação, o ;homem E;. Quando desenrolada, a múmia revelou-se a mais tenebrosa
já descoberta no Egito. Em primeiro lugar, o suave cheiro da cera usada no embalsamamento
deu lugar a um odor putrefato, segundo testemunhas da época.

Isso porque, em vez de perfumes e cremes, o indivíduo foi coberto com pele de bode, indicando uma grave punição. O pior, contudo, é a expressão facial do homem de 18 a 20 anos, que está aterrorizado e parece em forte dor. O tórax inflado e as marcas em volta de seu pescoço sugerem que ele foi estrangulado, embora há quem diga que a vítima tenha sido enterrada viva. Os autores do artigo não podem afirmar exatamente como ele morreu, mas têm quase certeza de que o ;homem
E; é Pentwere, o filho conspirador do faraó. Uma análise de DNA mostrou que a múmia compartilhava muitos traços genéticos com Ramsés III.

Como o corpo de Tiye jamais foi encontrado ; sinal de que a mulher foi punida e não mereceu funeral real ;, não se pode definir exatamente a ascendência do;homem E;. Os cientistas, contudo, acreditam que ele é um ;forte candidato; a filho de Ramsés III.