Antônia Mística de Araújo, de 19 anos, e Suellen Cristina dos Santos, 22, são colegas de trabalho numa loja de calçados em um shopping em Brasília e, hoje, têm a carteira assinada. Mas nem sempre
foi assim. A primeira tem o ensino médio completo e é caixa do estabelecimento. A segunda deixou os estudos quando faltava apenas um ano para completar o nível médio e é vendedora. Ambas vieram de famílias de renda mais baixa e tiveram que começar a trabalhar cedo para se sustentarem e audarem nasdespesas da casa.
Filha mais velha de cinco irmãos, Suellen foi criada pelos tios desde os 10 anos. Começou a trabalhar aos 17 como empregada doméstica, sem carteira assinada, quando o tio, motorista de ônibus, ficou desempregado. Foi quando desistiu da sala de aula. Dois anos depois, mudou de área e virou vendedora.Como atual ritmo de vida, em que sai de casa, em Ceilândia, às 8h30 da manhã para o trabalho e só retorna às 20h30, Suellen diz estar conformada com seu destino. Pensa em se casar com o namorado, despachante rodoviário, com quem está há dois anos. ;Chego em casa cansada. Não tenho tempo para pensar em nada;, diz ela, sempre que questionada sobre a possibilidade de retomar os estudos e mudar o rumoda vida.
Antônia reconhece que está perdendo tempo. Aos 15 anos, começou a trabalhar como vendedora de uma loja de doces sem registro na carteira e, aos 16, já tinha terminado o ensino médio no Ceará, onde morava.No ano seguinte, veio para Brasília morar com uma tia em busca de uma vida melhor. Cursar o ensino superior eraumadas metas. Porém, não se deu bem no relacionamento na casa dos parentes e resolveu morar com o namorado.
Antes do emprego de caixa na loja de calçados, trabalhou emumrestaurante e numa entidade sindical. Quer ser delegada de polícia. ;Por enquanto, está complicado;, diz, diante do custo da mensalidade da faculdade. Seu salário líquido é R$ 720 e o objetivo é conseguir uma bolsa de estudos que cubra a maior parte da mensalidade. ;Com a ajuda, poderia gastar elo menos R$ 300como curso;, espera.
Desmotivação
Apesar das diferentes posições em relação à vida, Suellen e Antônia têm a vantagem da carteira assinada e de diretos garantidos. Informalidade e salários baixos são as características predominantes no mercado de trabalho que os jovens entre 15 e 24 anos encontram no país, mesmo com a maior oferta de vagas nos últimos anos, decorrentes do crescimento econômico.
Não bastasse esse quadro desolador, uma parcela enormedessa população abandonou a escola e passou a priorizar um emprego, mesmo que precário, devido à desmotivação em relação ao se aprende na sala de aula.
Do contingente de 30,08 milhões de brasileiros que estão nessa faixa etária, os que só trabalham aumentaram de 32% para 34,6% entre 2001 e 2011. A maior parte deles tem entre 18 e 24 anos, 62,2% do total. Já os que trabalham e estudam aomesmotempo diminuíram consideravelmente: de 18,7% para 15,5% no período, conforme dados levantados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) a pedido do Correio,com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
(Pnad) de 2011.
Estão nesse grupo, principalmente, os mais novos, de 15 a 18 anos;60% eles.Oconsolo é que uma parcela dessamoçada não precisou mais dar duro e passou apenas a estudar: a participação dos que têm de 15 a 24 anos que só frequentam a sala de aula saltou de 29,9% para 30,9%.
;Felizmente, uma parte dos jovens tem permanecido mais tempo na escola e se dedicado mais ao estudo. Com isso, teremos pessoas mais escolarizadas no futuro, postergando entrada no mercado de trabalho. Outras, no entanto, largam os estudos e preferem disputar uma vaga de emprego;, observa Rodrigo Leandro deMoura, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV).
Dados do IBGE mostram que, de cada 100 jovens entre 15 e 24 anos, 46 estudam e 50 trabalham. O levantamento aponta se a pessoa estava ocupada ou não no momento da entrevista, considerando
tanto o ;bico; como o trabalho regular com carteira assinada.
Crianças
Além das condições precárias da ocupação, um quarto dos jovens entre 15 e 24 anos tem jornada semanal de mais de 45 horas. A carga horária prevista em lei é de oito horas por dia, totalizando 40 por semana. Quanto mais novos, maior a informalidade. Pelo menos 80% dos que estão na faixa de 15 a 17 anos trabalham sem carteira assinada. O índice chega a 95% se forem considerados apenas os de 15.
Entre os de 20 e 24, 36,5% não são registrados. ;Predominam os empregos informais entre os jovens devido também à dificuldade do primeiro emprego;, comenta a pesquisadora do IBGE Cíntia Simões Agostinho. Ela destaca, no entanto, que foramentre os de 16 a 24 anos que a formalidade mais aumentou, sobretudo a partir de 2006, coincidindo com o período de maior crescimento econômico do país. A proporção dos que têm carteira assinada saiu de 40,8% para 53,5% de 2006 a 2011. Há 10
anos, apenas 39,7% tinham os direitos trabalhistas garantidos.
Apesar de a lei proibir o trabalho de meninos e meninas antes dos 16 anos, a não ser comoaprendizes
com carteira assinada, essa não é a realidade brasileira.Umquarto dos que têm de 15 a 17 anos está dando duro para ajudar na renda familiar. Em2010, conforme o último Censo divulgado, havia 1,6 milhão de crianças e de adolescentes até 15 anos trabalhando no Brasil. Além disso, os dados da Pnad de 2011 revelam que 46% dos trabalhadores do país de qualquer idade ocupados atualmente começaram a trabalhar entre os 10 e os 14 anos.