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Um idioma, duas regras

Adiamento do acordo ortográfico para 2016 provocará mudança em editais de concursos. Em vigor desde 2009, ainda que não oficialmente, nova padronização é motivo de controvérsia

Os estudantes e os concurseiros que se preparavampara encarar unicamente as novas regras da língua portuguesa a partir de 1; de janeiro vão ganhar, nos próximos dias, prazo extra de adaptação. A presidente Dilma Rousseff editará, até 31 de dezembro, o decreto que prorroga por três anos o período em que serão aceitas as duas normas. A sugestão de senadores da Comissão de Educação e Cultura é estender o prazo até 31 de dezembro de 2015. Depois, o acordo ortográfico passará a valer oficialmente;na mesma data em que Portugal prevê a adoção do acordo (leia para saber mais, no fim da página).



A coexistência entre os modelos afetará especialmente a vida de concurseiros e estudantes que prestarão o vestibular. O edital do concurso da Polícia Militar do Distrito Federal, por exemplo, previsto para março, informa que as provas serão corrigidas de acordo com o novo acordo ortográfico. No entanto, assim que Dilma assinar o decreto, é esperada uma retificação. Nesse caso, o concurso, organizado pela Fundação Universa, continuará a valer normalmente, porém com as duas normas, como ocorre hoje.

Palavras como ;boia; e ;voo; serão aceitas tanto com quanto sem acento. Os vestibulares devem passar pela mesmasituação.O Centro de Seleção e de Promoção de Eventos (Cespe) informou que costuma deixar claro nos editais dos processos seletivos que o método de avaliação das provas discursivas segue o padrão estabelecido pelo decreto vigente. O Cespe ressalta que, enquanto o novo ato presidencial não for publicado, o texto do edital continua a valer. Porém, afirma que, se um novo texto for publicado, a instituição tomará as providências necessárias.

A Fundação Universitária para o Vestibular (Fuvest), responsável por selecionar estudantes
para instituições como a Universidade de São Paulo (USP), segue o mesmo entendimento do Cespe. Para a segunda fase do vestibular, a ser aplicada em 6 e 7 de janeiro, a exigência atual é seguir o novo acordo, mas caso o decreto seja revisto, a banca aceitará as duas normas.

Para JoséWilson Granjeiro, diretor do GranCursos, preparatório para concursos públicos, a ambivalência de normas não resulta emprejuízo significativo. Segundo ele, os estudantes já estão adaptados ànovaregra.;A maioria assimiloubemas principais alterações.Omaterial foi muito trabalhado
e os impressos já são divulgados comanova escrita.;Na opinião do diretor, no entanto, algumas mudanças poderiam ser revistas nesse período, como as regras de hifenização. ;Algumas correções não têm lógica.Temmuita coisa que precisa ser ajustada;, resume.

O professor de português do Colégio Sigma JosinoNery, que leciona para alunos do ensino médio,concorda que os estudantes já estão familiarizados com o novo modelo. ;Nas escolas, pouco muda.Aadaptação já foi feita.;

;Desatualizado;
Tanto Nery quanto Granjeiro consideram a reforma válida por unificar o português nos países que falam a mesma língua. ;Mas as mudanças poderiam ter sido mais agressivas;, avalia o professor. Já Granjeiro acredita que o acordo nasceu desatualizado. ;Tem muita alteração sem justificativa.;

Em reação à possível decisão do Brasil de adiar o prazo para a medida entrarem vigor, ontem, em Portugal, o Partido Comunista (PCP) sugeriu ao parlamento a criação de um grupo de trabalho para
debater o assunto. A legenda entende que a discussão não está terminada, pois a nova grafia ;tem gerado inúmeros dissensos entre a comunidade;, o que ;deixa o acordo em xeque;.

Docentes querem debater
[SAIBAMAIS]Estender até o fim de 2015 o prazo em que ficarão válidas no Brasil tanto as regras do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa quanto as normas atualmente em vigor atende uma reclamação de grupos organizados que, desde 2009, vêm se posicionando contra as novas diretrizes.Um dos defensores do aperfeiçoamento na reforma, Ernani Pimentel, professor e autor de livros sobre língua portuguesa, acionou a Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado Federal, no ano passado,
para alertar sobre o que considera equívocos, além de denunciar a falta de participação de docentes na discussão.

Desde então, o tema entrou na agenda do colegiado, culminando, no último dia 27,em reunião coma ministra Gleisi Hoffmann, da Casa Civil. ;Levamos para ela todas as inquietações trazidas até nós pelo professor Pimentel e debatidas em audiência pública com outros especialistas. E tratamos da conveniência de, diplomaticamente, ampliar o prazo;, afirma senadora Ana Amélia (PP-RS).

Ela chegou a apresentar projeto de decreto legislativo, com o senador Cyro Miranda (PSDB-GO), propondo o adiamento do início da reforma ortográfica. Mas observou, em seguida, que era preciso um decreto presidencial. Por isso, recorreu à Casa Civil. Ana Amélia não descarta mudanças no texto do acordo, embora ressalte que o adiamento tem outros objetivos. ;Queremos que todas as dúvidas
sejam tiradas nesse tempo e que os professores participem, aprendam, mas se forem necessárias mudanças, por que não fazê-las? Precisaremos usar de negociação política e entendimento;,
afirma a parlamentar.

Para Ernani Pimentel, que lidera o movimento Acorda Melhor, a reforma ortográfica está baseada em regras ilógicas e excessões. Ele cita o caso de cor-de-rosa. ;Cor de violeta, cor de abacate, cor de qualquer coisa não tem hífen.Mas cor-de-rosa tem. A justificativa é estar consagrado pelo uso.Mas se o acordo vem para mudar o uso, por que adotar essa justificativa? O aluno de hoje não quer decorar, não aceita mais essas ilogicidades. A didática evolui, não é mais por memorização;, diz.

Água-de-colônia e água de cheiro, aponta Pimentel, seriam mais exemplos de irracionalidade do acordo. ;Como explicar para um estudante deste século que um tem hífen e o outro não? Simplesmente não tem lógica;, reclama. Ernani considerou a recomendação do Ministério das Relações
Exteriores pelo adiamento como uma ;vitória;. ;É resultado de uma consciência de que se pode mudar, melhorar. Esse acordo é uma utopia. Nenhum país está se sentindo seguro para adotá-lo.;

PARA SABER MAIS: Unificação demorada
Em vigor no Brasil desde 1; de janeiro de 2009, o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa foi assinado em 1990, em Lisboa, Portugal. O objetivo era buscar a unificação do idioma na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) com fins de integração maior e aumentar o peso do português no panorama internacional.Os integrantes do acordo são Angola, Brasil,Cabo Verde,Guiné-Bissau,Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor Leste.

Internamente, o Brasil aprovou o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa em 1995, por meio do Decreto Legislativo 54.Em 2008, promulgou o texto,que passou a valer a partir de 2009. O prazo de transição estipulado para a adoção das regras termina no fim deste ano. É esse o período que a presidente Dilma Rousseff poderá modificar nos últimos dias deste ano atendendo uma orientação
do Ministério dasRelações Exteriores.

O Brasil foi o país que adotou o mais curto período de transição, quando são aceitas as duas normas. Já em 2009, o Ministério da Educação começou a comprar livros didáticos elaborados com a nova ortografia. Portugal, por exemplo, só terá de adotar as regras de forma obrigatória em 2016. Em Cabo Verde, o prazo acabará em 2019. Angola eMoçambique ainda não ratificaram o acordo.

Pelas regras do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, a grafia passa a ser unificada. Mas a pronúncia e o vocabulário ficam mantidos. Com exceção do Brasil, a comunidade de países de língua portuguesa soma cerca de 60 milhões de pessoas. Só Angola eMoçambique, exatamente os países que ainda não aderiram, têm cerca de 45 milhões de habitantes.