A desigualdade de gênero do mercado de trabalho agora está dentro das casas: o home office cobra um preço maior das mulheres. A interrupção dos filhos, o uso de fundos falsos para disfarçar a bagunça da casa (ou preservar um pouco a intimidade), a agenda lotada por uma reunião atrás da outra com poucas brechas…
O novo normal das profissionais de escritório mudou drasticamente em um curto intervalo de tempo e as condições de trabalho atuais apresentam novos desafios. Quando discutimos os impactos do home office, já estamos considerando um recorte específico de profissional, que representa uma pequena parte da classe trabalhadora brasileira, geralmente mais escolarizada e elitizada.
Quem só depende de um computador, conexão com a internet e contato com outros colaboradores da mesma organização para realizar o trabalho é uma profissional privilegiada no Brasil. Há acesso à infraestrutura necessária, postos de trabalho com esta configuração e domínio das ferramentas tecnológicas.
No entanto, se a classe social dos trabalhadores de home office é homogênea em muitos aspectos, há uma desigualdade de gênero significativa imposta neste novo cenário. Como as mulheres ainda são as principais responsáveis pelo cuidado dos filhos e tarefas domésticas, a rotina tripla de trabalho tornou-se mais intensa com as escolas fechadas e a impossibilidade de contato com familiares e apoiadores que auxiliavam no trabalho de casa.
Diferenças na produção
O resultado da sobrecarga de trabalho feminino revelou-se rapidamente: o estudo Parent in Science contrastou a produção acadêmica de pesquisadoras e pesquisadores após o início da pandemia. Enquanto 52% das mulheres com filhos não concluíram os artigos nos quais estavam trabalhando, apenas 38% dos homens que são pais não conseguiram concluir o seu trabalho.
Dados como este podem ajudar a alavancar as discussões necessárias para o avanço da agenda de direitos das mulheres. O estigma associado à mulher no mercado de trabalho ainda está atrelado à maternidade e à vida conjugal e doméstica. A licença paternidade no Brasil é de apenas alguns dias, o que reforça a ideia de que o envolvimento masculino na criação dos filhos é drasticamente inferior ao feminino.
Caso as empresas demorem a restabelecer o trabalho no escritório ou optem pelo formato de home office indefinidamente, as políticas organizacionais deverão considerar as diferentes condições de trabalho remoto impostas a mulheres e homens, corrigindo distorções resultantes da desigualdade de gênero.
Não há uma fórmula pronta para as empresas abordarem essa questão, mas um bom ponto de partida é estabelecer comitês compostos por mulheres para discutir os desafios do home office e os possíveis caminhos de enfrentamento do problema, com apoio institucional dos empregadores.
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A cada primeiro domingo do mês, a Coluna Saber, de Ana Machado, aborda temas relacionados à educação e ao mercado de trabalho, sempre com base em conhecimentos científicos. Acompanhe o próximo quadro em 6 de setembro. A estudiosa também publica coluna com foco em educação em geral no site Eu, Estudante.
Saiba mais: E-mail: anamach@stanford.edu — Instagram: @abouteducation
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