O físico e cosmólogo Stephen Hawking dizia que inteligência é a capacidade de se adaptar à mudança. Não é à toa que a estudante Katarine Emanuela Klitzke, 18 anos, que tem o britânico como uma grande inspiração de vida, saiu de casa, em Timbó (SC), com uma oferta de bolsa para estudar em uma das melhores escolas de Fortaleza (CE) quando tinha apenas 15 anos.
A partir daí, conquistou a medalha de ouro na Olimpíada Latino-Americana de Astronomia e Astronáutica (OLAA), realizada no Paraguai, e foi além: ingressou no Georgia Institute of Technology (Georgia Tech), nos Estados Unidos, uma das universidades mais renomadas do mundo quando se fala em tecnologia.
Recentemente, ela recebeu, junto a uma equipe, prêmio da agência espacial norte-americana, a Nasa, por um projeto considerado como “melhor missão de curta duração a Marte”. Katarine e colegas participaram de uma competição anual dos Estados Unidos, que propõe a jovens em período de graduação a chance de desenvolver soluções inovadoras para os problemas que a agência enfrenta em missões espaciais.
Seleção de peso
A primeira fase da seleção da Nasa conta com inscritos de toda parte dos Estados Unidos. Para a segunda etapa, foram selecionadas apenas 15 equipes, incluindo a de Katarine. “Nós tivemos mais três meses para desenvolver nosso projeto, fazendo soluções mais a fundo, melhorando cálculos, colocando mais bases de engenharia, aprimorando o design dos veículos que nós utilizaríamos e pensando em como reduzir os custos da missão”, conta ela, empolgada.
Para apresentar o projeto, o time iria para o Kennedy Space Center, em Orlando, na Flórida, mas, devido à pandemia, a conferência foi on-line. Katarine expôs o projeto a um corpo de jurados para lá de importante, composto por diretores da Nasa, da SpaceX (empresa do bilionário Elon Musk que recentemente lançou a primeira missão tripulada de uma empresa privada para o espaço) e da companhia aérea Boeing.
O grupo de Katarine foi o primeiro da Georgia Tech na competição. O time, de sete pessoas, era pequeno em comparação com as outras equipes, de 40 alunos. Os pioneiros da faculdade da Georgia ganharam o prêmio de melhor equipe com tema “Missão espacial de exploração em Marte” e se classificaram no segundo lugar geral da seleção.
O início da missão
Timbó é um município de Santa Catarina com população estimada em pouco mais de 44 mil habitantes. Foi lá que Katarine Klitzke nasceu e deu os primeiros passos educacionais na Escola Municipal Padre Martinho Stein. No ensino médio, cursou o 1° ano com bolsa no colégio Bom Jesus, em Blumenau. Autodidata, aprendeu espanhol, inglês e “um pouco de alemão”, como define, sozinha.
No Bom Jesus, desenvolveu a paixão por competições e participou de olimpíadas científicas em matemática, física, química, astronomia, biologia e robótica. Com bons resultados, recebeu convite para estudar em várias escolas do Brasil e representá-las em olimpíadas internacionais de matemática, física e química. Assim, aos 15 anos, foi para Fortaleza (CE) fazer o 2° e o 3° anos no colégio Farias Brito com bolsa integral, moradia e alimentação. “Quase toda semana tinha uma olimpíada para fazer”, recorda-se.
Astronomia, astronáutica e astrofísica foram as áreas às quais ela escolheu se dedicar. No último ano da escola, conquistou medalha de ouro na Olimpíada Latino-Americana de Astronomia e Astronáutica e o prêmio de melhor construção em lançamento de foguete. “O processo de preparação para as olimpíadas internacionais é bem exaustivo. Como eu almejava a medalha de ouro, precisava me dedicar muitas horas por semana durante o ensino médio”, relata.
Katarine conta que não conseguiu fazer o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) porque, na época, em 2018, estava viajando para as olimpíadas internacionais. “Eu chegava ao colégio às 6h30 ou às 7h e saía às 22h. Quando voltava para casa, continuava estudando.”
Estudo valorizado
Com o resultado das olimpíadas e a trajetória de participação em projetos sociais e voluntariado, Katarine conseguiu a aprovação no Georgia Tech. Lá, ela faz três cursos ao mesmo tempo: engenharia da computação, astrofísica e engenharia artificial. “Nos EUA, o aluno não é aceito por curso, mas, sim, para universidade. Quando você chega lá, pode escolher qual curso quer fazer”, explica.
Conseguir estudar fora não é barato. Para custear a viagem, a adolescente fez uma vaquinha e conseguiu arrecadar quase o suficiente para se manter durante o primeiro ano da graduação. “As universidades públicas nos EUA só oferecem bolsa para quem é do estado. Quem é de fora tem que pagar o preço completo”, diz. “Para custear o meu primeiro ano criei essa vaquinha, conseguir arrecadar boa parte dos fundos e, agora, no segundo ano, eu estou como bolsista da Fundação Estudar.”
O processo seletivo do programa líderes, da Fundação Estudar, é extremamente competitivo e, em média, mais de 1.800 candidatos competem por uma vaga. Em 2020, foram 45 mil inscritos e 24 aceitos, entre esses, Katarine. A instituição sem fins lucrativos foi criada pelo empresário Jorge Paulo Lemann.
Pequenos passos para uma menina…
Na universidade norte-americana, Katarine Klitzke continuou se envolvendo em atividades extracurriculares. Logo no primeiro ano, criou um projeto de pesquisa em cosmologia computacional, inscreveu-se para o programa da Nasa e aguarda para participar de uma competição de robótica prevista para setembro.
Além da competição da agência espacial estadunidense, dentre os prêmios conquistados pela jovem, também estão os da Society of Women in Engineering e o ingresso na Dean List 2020, que reconhece bolsistas de destaque do país. Para o futuro, ela sonha em trabalhar na Nasa, na SpaceX ou na Agência Espacial Europeia (ESA).
Katarine também quer voltar para o Brasil para “melhorar a agência aeroespacial brasileira”. O principal objetivo de carreira da jovem “é ajudar a humanidade a entender melhor o universo”. Para fazer isso, ela trabalha em projetos para desenvolver tecnologias aperfeiçoadas visando a construção de telescópios, sondas espaciais e equipamentos necessários em missões espaciais.
…Grandes passos para a humanidade
“Existem físicos, astrônomos, pesquisadores incríveis mundo afora e o principal desafio que eles enfrentam é a não existência de tecnologias para conseguir testar e comprovar suas teorias”, diz Katarine Klitzke. “Em termos de universo, por vezes, as coisas acabam demorando muito para chegar até nós. Quero trabalhar para melhorar esse cenário”, justifica.
Agora, Katarine é coordenadora da Olimpíada Brasileira de Astronomia (OBA) e auxilia estudantes que, assim como ela, sonham com as estrelas. “Quando eu era pequena, nem me via direito na universidade da minha região. Ir para uma (universidade) federal era uma coisa quase impensável”, relembra Katarine. Estudar fora do país, então, era fora de cogitação… No entanto, a persistência e a paixão dela por áreas em que participou de competições abriram horizontes dentro do país e no exterior.
“Conforme foram surgindo as oportunidades e participando de olimpíadas, vi a rede de pessoas próximas de mim indo para grandes universidades do Brasil, como o ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica). Isso criou um desejo em mim de querer procurar excelência e de estar envolvida com coisas melhores”, descreve.
Inspirações próximas
A jovem Katarine agradece o incentivo do pai, Marcos Ricardo Klitzke. “Ele sempre me incentivou a buscar soluções para os problemas”, elogia. Os amigos também foram de grande valor para a trajetória dela. “Sempre busquei me desafiar e estar entre os melhores”, defende.
Para os que querem seguir passos como os dela, Katarine aconselha: “É muito importante ter disciplina. Se você tem um sonho, não apenas espere que ele se realize, corra atrás para realizá-lo. Para isso, você precisa ter muita determinação, disciplina e autoconhecimento”. Ela acaba de ser aceita para iniciar a própria pesquisa em cosmologia computacional e apresentará o projeto em novembro, na ASCEND 2020, uma das maiores conferências de exploração espacial e engenharia aeroespacial.
*Estagiária sob a supervisão da subeditora Ana Paula Lisboa