O fim do isolamento social não significará o fim do home office para várias empresas estrangeiras e nacionais. Algumas estenderam o trabalho remoto até o fim do ano, outras já decidiram migrar de vez para o formato a distância e há aquelas que planejam voltar à medida que a crise sanitária melhorar, mas com flexibilização, possibilitando ao trabalhador ficar ou não em casa. Mesclar trabalho presencial e a distância deverá ser comum no cenário pós-pandemia.
A Housi, startup de moradia por assinatura, anunciou trabalho remoto definitivo para os 100 colaboradores. O CEO da companhia, Alexandre Frankel, conta que a equipe gostou tanto do formato, que ele decidiu não renovar o aluguel do escritório, que ficava em um coworking de São Paulo. “A gente está ganhando mais efetividade e está muito mais feliz”, diz. “Nós percebemos que nunca mais vamos precisar de um escritório central”, afirma.
“Podemos trabalhar remotamente e, quando necessitarmos de um espaço físico para reuniões, podemos usar qualquer uma das propriedades que a Housi aluga”, acrescenta. De acordo com Alexandre, engenheiro civil pelo Centro Universitário do Instituto Mauá de Tecnologia, a principal vantagem do novo formato, que ele chama de anywhere, anytime (em qualquer lugar, a qualquer momento, em português), é a possibilidade de os colaboradores trabalharem nos imóveis que a startup opera.
“A equipe está inserida no produto final. É como se, por exemplo, em uma cadeia de lojas, todo mundo fosse trabalhar de dentro das lojas e não mais em um escritório central”, explica. A Housi está presente em oito capitais e pretende expandir também para Brasília. Assim como a startup, muitas empresas se adaptaram bem ao modelo de trabalho remoto imposto pela pandemia e não pretendem mais retornar ao escritório.
O futuro do trabalho remoto
Pesquisa da Robert Half, empresa global de consultoria de recursos humanos, revela que 86% dos profissionais entrevistados querem trabalhar de casa mais vezes após o fim da quarentena. Ainda segundo o estudo, que ouviu mais de 800 pessoas, 67% perceberam que é possível executar as tarefas remotamente; 49% consideram que o equilíbrio entre vida profissional e pessoal melhorou sem o deslocamento para o trabalho; e 25% estão mais confortáveis com as tecnologias.
“No nosso entendimento, ainda é difícil afirmar como será o futuro do home office, mas a percepção é de que muitas empresas que não eram adeptas desse modelo de trabalho precisaram se adaptar e quebraram paradigmas sobre sua eficácia, com tendência a dar continuidade ao formato”, afirma Alexandre Mendonça, especialista em recrutamento da Robert Half. “Aquelas empresas que já faziam, mas de forma tímida, devem ampliar essa possibilidade aos colaboradores”, completa.
Dicas
Para manter a produtividade
Confira as orientações de Alexandre Mendonça, especialista em recrutamento da Robert Half, para gerenciar melhor o tempo durante o home office e se manter produtivo:
Estabeleça e cumpra um horário de expediente
Não tente colocar a casa em ordem ou resolver problemas pessoais entre uma tarefa do trabalho e outra para não perder o foco, mesmo diante de atividades profissionais com longos prazos de entrega. Garanta que os demais moradores da casa entendam e respeitem esse horário de trabalho;
Mantenha o networking
Tenha o hábito de marcar encontros com profissionais da sua área para se atualizar e trocar ideias sobre o meio e o mercado de trabalho, entre outros assuntos;
Planeje-se
A autonomia oferecida pelo home office exige maturidade do profissional, já que não há chefe supervisionando cada minuto do seu dia. Uma boa dica é estabelecer metas diárias e semanais;
Cuidados na escolha do local de trabalho
O ideal é determinar um espaço fixo para trabalhar, com boa iluminação, acomodação confortável — ainda que simples — e os itens básicos de trabalho à mão, incluindo computador com acesso à internet e linha telefônica.
Atenção ao traje
Tenha o hábito de se arrumar como se fosse para o trabalho. Ficar de pijama, por exemplo, pode fazer com que você não se sinta efetivamente trabalhando.
"Ainda é difícil afirmar como será o futuro do home office, mas a percepção é de que muitas empresas que não eram adeptas desse modelo de trabalho precisaram se adaptar e quebraram paradigmas sobre sua eficácia, com tendência a dar continuidade”
(Des)vantagens do modelo
O caráter econômico deve pesar muito para as empresas que decidirem migrar para o teletrabalho, já que, em geral, as despesas com o home office são mais baixas. É o que acredita Wagner Salles, mestre em administração pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e professor de gestão de RH da Universidade Veiga de Almeida (UVA).
No entanto, ele pondera: “De 2012 a 2018, o percentual de pessoas ocupadas no setor privado que trabalham no domicílio passou de 3,7% para 5,2%, segundo dados do IBGE. É claro que esse percentual aumentou de 2018 para cá, sobretudo durante o isolamento social, mas, ainda assim, não tende a ser um índice tão expressivo, o que significa que, diferentemente do que muitos pensam, essa modalidade não deverá ter adoção em massa”.
Entre as principais vantagens do home office para os colabores estão a maior flexibilidade do horário e o fim do deslocamento até o escritório. Pessoas que, antes, gastavam mais de uma hora no transporte público ou no trânsito, por exemplo, podem utilizar esse tempo para outras atividades. Muitos profissionais relatam, também, que têm conseguido se dedicar mais à família.
O que para alguns é bom, para outros, é uma desvantagem: com a flexibilização do expediente, é comum que os profissionais trabalhem até mais do que no escritório. Se não houver cuidado, a fronteira entre vida profissional e pessoal deixa de existir, como explica o especialista em administração de empresas pela Fundação Getulio Vargas (FGV) Wagner Salles.
“Sem a perda de tempo com deslocamento, o trabalhador pode organizar melhor o seu horário entre afazeres pessoais e profissionais, o que, de certa forma, tende a impactar positivamente a produtividade”, pontua. “Uma desvantagem em decorrência disso, no entanto, é a perda de controle sobre o tempo dedicado ao trabalho, que pode se sobrepor à vida social, resultando em sobrecarga e, principalmente, em problemas de saúde”, ressalta.
Vale destacar que, durante a pandemia, a maioria das empresas está vivendo um home office forçado. Elas foram obrigadas a se adaptarem ao modelo, e muitos profissionais não estavam preparados (não tinham, por exemplo, equipamento ou local adequado para trabalhar em casa). É uma situação totalmente diferente da de organizações que já adotavam o trabalho remoto, integral ou parcialmente, antes da crise.
"No home office, o trabalhador pode organizar melhor o seu horário entre afazeres pessoais e profissionais, o que, de certa forma, tende a impactar positivamente a produtividade. Uma desvantagem em decorrência disso, no entanto, é a perda de controle sobre o tempo dedicado ao trabalho”
Personagem da notícia
Aprendizados de uma migração forçada
Diretor comercial da regional Centro-Norte da TIM, no escritório de Brasília, Bruno Talento, 42 anos, é formado em administração de empresas com MBA em administração estratégica. Ele comanda uma equipe de oito gerentes, cerca de 520 colaboradores diretos e 2 mil indiretos, espalhados por 11 estados mais o Distrito Federal. Para ele, o home office tem sido uma experiência diferente.
“Sempre fui de operação, e gosto de estar próximo das pessoas. A necessidade de fazer home office possibilitou que o contato com a equipe seja mais frequente, mesmo que por videoconferência, em todos os lugares”, conta. “A conectividade permite que você não tenha que se deslocar. Então, temos mais tempo para conversar com os colegas, planejar estratégias e, principalmente, compreender os desafios de cada região.”
Além disso, de acordo com Bruno, a produtividade da equipe aumentou com o trabalho remoto. Em contrapartida, ele reconhece que a presença física faz falta. “O lado negativo é, com certeza, a perda de um contato mais próximo com colegas e parceiros. Essa interação é algo ainda muito importante na área comercial para atender a necessidade do cliente e oferecer a melhor solução para a demanda dele.”
Rotina planejada
O diretor comercial conta que, para manter a rotina de trabalho em casa, fez um planejamento. “Estabeleci horários bem definidos, como se estivesse no escritório. É preciso organização para programar as atividades do dia. Começo às 8h, tenho horário para o almoço e trabalho até o fim do dia. À noite, consigo passar mais tempo com minha família”, relata.
Quando questionado sobre se gostaria de continuar em home office depois da quarentena, Bruno admite: “Aprendi muito com essa experiência, inclusive que temos ferramentas que poderão ser bastante utilizadas após a pandemia, mas os encontros presenciais também são imprescindíveis. Então, acredito no desenvolvimento de um novo modelo de trabalho, no qual possamos dosar e criar rotinas que contemplem as principais vantagens, tanto do trabalho a distância quanto do presencial”.
Assim como Bruno, a maior parte dos trabalhadores da TIM gostaria de manter o home office na rotina, mesmo que parcialmente. Pesquisa da empresa concluiu que 98% dos funcionários querem atuar de casa pelo menos uma vez por semana no pós-pandemia e que 90% adotariam o teletrabalho duas vezes ou mais.
A Gupy, startup de recrutamento e seleção, foi uma das empresas que estenderam o home office pelo menos até o fim do ano. A medida visa, sobretudo, proteger os trabalhadores, mas, de acordo com Guilherme Dias, CMO (diretor de marketing) e cofundador da companhia, o trabalho remoto tem sido vantajoso, também, em termos de produtividade.
“No começo da pandemia, tivemos que ajustar processos, reuniões e ferramentas, mas, uma vez que nosso time de gente e gestão e a liderança da Gupy conseguiram implementar as mudanças, percebemos uma melhoria na eficiência da organização como um todo”, lembra. “Conseguimos aumentar nossas receitas em 25% no primeiro trimestre do ano e, novamente, no segundo trimestre.”
Guilherme, engenheiro químico pela USP, explica que a empresa ainda está estudando qual será o melhor formato para 2021. “Acreditamos que vamos voltar ao presencial, mas, certamente, muito mais flexíveis para pessoas ou equipes que desejem trabalhar de forma remota. Esses aprendizados e quebras de paradigmas que a pandemia trouxe às organizações estão mostrando como podemos nos reinventar”, diz.
Adaptação
Ele conta que, no início, o trabalho a distância foi difícil para os colaboradores, mas, com o tempo, a empresa encontrou estratégias para manter a equipe unida. “Temos um time que é extremamente amigo e próximo. Por isso, o isolamento social tornou o início do home office um pouco mais difícil”, admite. “Certamente aprendemos como minimizar essas questões criando happy hours virtuais, rodas de discussão durante e fora o horário de trabalho e atividades de descompreensão em equipe (como aulas de culinária, por exemplo)”, exemplifica.
“Hoje, vemos ‘gupiers’ que não gostavam do trabalho em casa já apaixonados pelo modelo.” Os colaboradores ganham um auxílio de R$ 120 para a internet e receberam, no início da pandemia, um suporte de R$ 1.200 para mobiliarem melhor o escritório. “Algumas pessoas precisavam de novas mesas ou cadeiras, por exemplo. Queremos garantir que todos tenham ótimas condições para criar um ambiente de trabalho prazeroso”, afirma Guilherme.
Quando questionado se o home office deve se tornar uma tendência após a pandemia, ele não duvida: “Certamente. Embora algumas organizações que passaram pela experiência possam preferir voltar ao mundo presencial quando possível, acredito que a situação tenha mostrado como é possível, ao menos, flexibilizar um pouco as regras de trabalho remoto”.
Dúvida
Estagiário pode fazer home office?
» Em razão das medidas de isolamento social, o Ministério da Educação (MEC) definiu novos critérios para estágio. A pasta orienta que as atividades sejam realizadas a distância durante a pandemia, de acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais e o Programa Pedagógico do Curso.
» A regra deixa de fora apenas os cursos de saúde. Além disso, recomenda-se que o trabalho remoto seja supervisionado e que o acompanhamento das atividades seja feito por telefone ou videochamada. De acordo com a agência Super Estágios, 94% dos estagiários atendidos pela empresa estão em home office neste período.
App
Melhore o trabalho remoto
O Aplicativo Express Yourself ajuda gestores e funcionários a melhorarem a produtividade durante o home office. O aplicativo é uma plataforma desenvolvida por uma equipe de profissionais, incluindo psicóloga, consultor de recursos humanos e especialista em produtividade. A ferramenta é dividida em quatro categorias principais: qualidade de vida, gestão de rotina, gestão organizacional e inteligência emocional.
Tudo é adaptável e pode ser customizado de acordo com a necessidade de cada empresa, levando em conta o número de integrantes da equipe e o setor do mercado. Por ali, o gestor poderá comparar semanas ou meses de trabalho, ver o nível de aumento ou diminuição de produtividade de cada colaborador.
O aplicativo também mostra o que pode ser feito para melhorar o quadro no período de curto, médio e longo prazos. A plataforma está disponível de forma gratuita durante o primeiro mês de uso para Android e IOS e é resultado de uma parceria entre a ID-EVOLUTION e a ID-INNOVE.
Trabalho remoto em plena expansão
A Baxter, empresa global da área de saúde com filial em São Paulo, está planejando o retorno ao trabalho presencial com uma novidade: a companhia adotará um esquema de rodízio, mesclando trabalho presencial e remoto. A diretora de recursos humanos da empresa, Kelen Reis, explica que, antes da pandemia, os funcionários tinham a opção de fazer home office uma vez por semana.
Graças à experiência positiva com o trabalho a distância durante o isolamento social, a Baxter decidiu expandir essa cultura. “A gente percebeu que continua trabalhando bem de casa. Então, não faz sentido ter colaboradores indo quatro ou cinco vezes por semana ao escritório. Isso ficou para trás”, diz. “A ideia é de que a equipe faça home office dois ou três dias semanalmente.”
Ela ressalta, no entanto, que a empresa não pretende adotar o trabalho remoto em tempo integral. “Neste momento, não é algo que estamos discutindo”, pontua. “Para nós, mesmo que o home office seja ampliado, faz todo sentido ter um ponto de referência, um local onde a gente possa se encontrar.” Kelen, que tem MBA pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA/USP), conta que, pouco tempo antes de começar a quarentena, a Baxter decidiu mudar o escritório para um espaço menor e mais moderno.
Ainda não há data definida para o retorno, que deve ocorrer de forma gradual e opcional, como explica a diretora de RH. “No princípio, retornarão, no máximo, 20% dos funcionários, e o intuito é fazer pequenas equipes que vão se revezar a cada semana. Além disso, a decisão de retornar ou não, neste momento, será do colaborador.” De acordo com Kelen, a empresa “não tem pressa para retornar ao trabalho presencial, porque a maior preocupação é com a saúde e a segurança do funcionário”.
Para manter a equipe engajada
A fim de ter contato em meio ao isolamento social, a Baxter tem organizado eventos on-line, como happy hours. “Na confraternização do RH, por exemplo, um dos diretores tocou guitarra. As equipes têm feito isso de uma maneira muito criativa e o retorno que temos recebido é de que, mesmo de longe, nunca estivemos tão conectados”, conta Kelen.
Outra iniciativa foi a criação de um “show de talentos”, em que, a cada semana, um funcionário apresenta uma habilidade durante a live. “Pensando na saúde mental dos colaboradores, a empresa também lançou aulas de meditação e ginástica laboral virtuais e criou um canal de comunicação específico para passar orientações de saúde e bem-estar”, conta Kelen.
Três perguntas para
Susanne Andrade,
Sócia-diretora da A&B Consultoria e Desenvolvimento Humano, especialista em desenvolvimento humano e autora dos best-sellers O poder da simplicidade no mundo ágil (Editora Gente) e O segredo do sucesso é ser humano
A senhora acredita que o home office continuará sendo uma tendência após o fim do isolamento social? Por quê?
Na verdade, já é uma realidade para muitas empresas. Várias anunciaram home office até 31 de dezembro e avisaram que, provavelmente, continuarão com o trabalho remoto até 2021 e avaliarão uma continuidade dali para frente. Esse formato é tendência principalmente para companhias de nichos que perceberam um aumento de produtividade com a trabalho a distância, como as áreas financeira e de tecnologia. Então, companhias como a Nubank e a XP, por exemplo, já anunciaram o home office até o fim do ano (para os setores em que isso é possível).
Muitas empresas tiveram que adotar um home office forçado, mesmo que não estivessem preparadas para o trabalho remoto. Quais lições elas podem tirar dessa experiência?
Mesmo as empresas que adotavam home office algumas vezes por semana antes da pandemia não estavam 100% preparadas. Ninguém estava 100% preparado. Muitas organizações tiveram que se reinventar, sendo que, para algumas, foi mais fácil, mas, para outras, o modelo foi uma novidade. Então, nessa perspectiva, quais são as principais lições? Eu diria que há duas: a primeira é que não dá mais para adiar a transformação digital, ela já é uma realidade. O segundo ponto é que devemos começar a olhar para novos horizontes e modelos de negócios.
Quais são as dicas para um líder gerenciar equipes a distância? Que recursos ele deve utilizar?
Existem muitas ferramentas digitais hoje que ajudam a ter uma gestão a distância, permitindo, por exemplo, o compartilhamento de arquivos e documentos. Mas, para além disso, o líder deve se fazer presente por meio de contatos diários. Ele precisa estar presente como parceiro. Algo que tem funcionado bem para várias empresas é o happy hour virtual. Em uma sexta-feira, no fim do dia, por exemplo, os colaboradores marcam uma videochamada, em que cada um está com sua pizza e seu vinho, de forma descontraída. Isso ajuda a engajar a equipe, e os colaboradores se sentem mais valorizados e motivados.
*Estagiária sob supervisão da subeditora Ana Paula Lisboa