Trabalho e Formacao

Reflexões de um dos melhores economistas do mundo

Reconhecido internacionalmente, brasileiro que cresceu em Brasília e é professor da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, comenta sobre a pandemia e o novo normal e fala da própria trajetória



Durante a pandemia de covid-19, para resguardar a saúde sem, ao mesmo tempo, implicar perdas econômicas gigantescas, é preciso traçar estratégias cautelosas. Um componente muito importante nesse combate, talvez ainda não tão considerado, é o aspecto informacional. É o que defende o economista Rodrigo Pinto, professor assistente do Departamento de Economia da Universidade da Califórnia (UCLA), em Los Angeles.

Segundo o estudioso, a população precisa receber informações precisas para ser capaz de avaliar os riscos e os benefícios de sair de casa. Além disso, as mensagens dos governos federal e locais precisam ter coesão, além, é claro, de serem confiáveis. Sem isso, o resultado é o sentimento de incerteza que fará as pessoas continuarem em seus lares mesmo que não haja imposição de quarentena. No fim das contas, a questão atrasa ainda mais a recuperação econômica.

Rodrigo Pinto, 42 anos, entrou para a lista dos 12 melhores economistas de todo o globo em 2018, quando um artigo dele foi escolhido pelo site Quartz como uma das pesquisas que moldaram o mundo naquele ano. O estudo escolhido analisa o impacto que crescer numa vizinhança rica gera na vida adulta, demonstrando melhores resultados econômicos nesse caso. Uma pesquisa de Rodrigo foi citada por Barack Obama durante fala sobre educação infantil.

Histórico

Rodrigo vive em Los Angeles com a mulher, consultora em engenharia ambiental, e um filho de 3 anos. Ele é PhD em economia pela Universidade de Chicago e mestre pela Fundação Getulio Vargas (FGV) do Rio de Janeiro. Foi durante o mestrado que, numa conferência, conheceu James Heckman, ganhador do Prêmio Nobel de economia do ano 2000 e que, mais tarde, tornaria-se seu parceiro de pesquisa. Rodrigo e Heckman publicaram vários artigos juntos. Foi o interesse no trabalho do economista estadunidense que despertou a vontade de fazer doutorado em Chicago, onde o primeiro é professor.

Mineiro de Itajubá, Rodrigo cresceu em Brasília, onde viveu até os 17 anos, quando foi cursar engenharia civil na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Na capital federal, estudou no Centro Educacional Leonardo da Vinci e no Colégio Objetivo. O pai dele, falecido, era engenheiro eletricista. A mãe, economista e aposentada do Ministério do Trabalho, e um dos irmãos de Rodrigo, economista, moram no DF. A irmã, formada em marketing, vive no Rio.


Como o senhor e sua família estão enfrentando a pandemia?
Não temos mais lockdown, mas estou ficando em casa o tempo todo, fazendo distanciamento social. Todas as compras pedimos pela internet para delivery. Faz quase dois meses que não saímos a não ser para ir a um parque nacional perto, dar uma caminhada e voltar. Toda essa questão da covid-19 é muito triste, mas confesso que a produtividade acadêmica pode ser até superior. Todas as minhas aulas consigo dar on-line. O que mais mudou é o fato de o meu filho não ir à escola. Uma baby sitter fica com ele de manhã. Moro numa casa grande, o que facilita bastante. Se eu morasse em apartamento, seria mais complicado.
 
Como avalia as medidas sanitárias adotadas aí por causa do coronavírus?
Os governos tomaram medidas bastante diferentes. A Califórnia adotou lockdown, e Los Angeles tem características que tornam isso mais fácil: em primeiro lugar, 80% da cidade são compostos de casas. Por causa de terremotos, há regulações para não haver edifícios altos. Então, a densidade urbana é bastante inferior a outros grandes centros, por exemplo, o Rio de Janeiro, onde morei antes de vir para cá. Em segundo lugar, Los Angeles é uma das cidades mais prósperas dos Estados Unidos. Então, a maior parte dos trabalhadores está numa situação confortável. Como se não bastasse, o governo ainda dá US$ 600 por semana para quem perdeu o emprego por causa do coronavírus.
 
O que pode melhorar na maneira como o Brasil está lidando com a pandemia?
O mais interessante é pegar o que o mundo inteiro fez, analisar os dados e ver qual a conduta mais adequada em termos de políticas públicas. É uma questão complexa. Alguns governos tiveram muito sucesso, outros, menos, e varia muito de acordo com as características de cada país. Não existe unanimidade de resposta à covid-19, existem critérios que podem ser aplicados de acordo com a comunidade. A parte de proibir aglomeração de pessoas é importantíssima, ou seja, festas, cinemas, igreja, teatros.... O lockdown é fundamental. É a ideia de restringir o vírus até chegar a uma incidência que seja tratável de acordo com a capacidade do sistema de saúde da região. É preciso fazer por, no mínimo, duas semanas, e o ideal é que seja o mais restrito possível. A opção ideal a partir disso é testar em massa, localizar e rastrear os infectados para isolar e tratar.
 
Por que a atividade econômica diminui tanto durante a pandemia?
Segundo estimativas, o PIB (Produto Interno Bruto) do Brasil e de outros países vai cair mais de 10% neste ano. O impacto vem porque as pessoas ficam em casa. Tende-se a pensar que o governo tem a opção de fazer o lockdown ou não por simples escolha e que, se de repente, suspender a quarentena, todo mundo vai voltar a trabalhar e a comprar normalmente; assim, a economia voltaria aos patamares anteriores rapidamente. Essa ideia é errônea. O governo pode tentar forçar o lockdown, mas ele não pode forçar a retomada imediata da economia. Se as pessoas têm medo de pegar covid-19 ao sair de casa, elas simplesmente não vão sair, independentemente das regras que estiverem valendo. O lockdown inicial é muito importante para tornar a crise gerenciável, mas a parte de retomada da economia depende muito da percepção da gravidade do vírus pela população.
 
A imposição, por exemplo, de fechar o comércio por parte de um governo, então, não é o que mais impacta negativamente a parte econômica?
Tem lugar com lockdown que as pessoas não cumprem direito, aí não adianta. Tem locais onde é levado a sério, como foi aqui. E tem o contrário: ambientes onde o lockdown não foi imposto, mas há um declínio da atividade econômica muito próximo do de regiões onde ele foi instaurado. Os países nórdicos são interessantes para fazer essa análise, pois tiveram declínio de atividade econômica parecido, apesar das diferenças. A Dinamarca adotou lockdown, a Suécia, não. O governo sueco fez propaganda dizendo que a incidência do vírus não era tão dramática. O problema é que a Suécia teve cerca de 10 vezes mais mortes do que a Dinamarca. Os suecos, então, desacreditaram no que o governo estava fazendo e começaram a ficar em casa. Quando acontece isso, você perde uma grande ferramenta de política pública, que é a credibilidade. Mesmo se o governo da Suécia incentivar a retomada, as pessoas não vão seguir isso porque ele perdeu a credibilidade.
 
Como avalia esse aspecto no Brasil?
A análise de credibilidade no Brasil é uma completa bagunça, pois há luta entre o governo federal e os governos estaduais. Se o governo federal, os estaduais e a mídia estivessrem coesos e precisos, haveria uma retomada da economia muito mais rápida do que a que realmente vai acontecer. Há uma incerteza de dados imensa. Assim, a vontade das pessoas é de ficar em casa. Quem não está ficando é porque tem um custo muito grande de ficar, até mesmo em termos de alimentação. Se as pessoas souberem exatamente qual é a probabilidade de pegarem ou falecerem pela doença, pelas próprias características e pelo local onde estão, terão mais segurança.

Quais as melhores recomendações de como lidar com a pandemia e com as perdas econômicas?
Não existe resposta única para essa pergunta. O recomendado por médicos e pela OMS (Organização Mundial da Saúde) seria o lockdown total. E eles estão certos se o foco for única e exclusivamente acabar com a epidemia. Agora, sob a perspectiva de economistas, é preciso analisar a situação com mais cautela. O economista e o fazedor de políticas públicas estão preocupados não só com conter a epidemia, mas também com a grande perda de riqueza de uma sociedade, que se dá por empresas quebrando, pessoas entrando em seguro desemprego... Mas como fazer uma reabertura mais criteriosa? Além de tomar cuidados, como distanciamento e uso de máscara e álcool em gel nos estabelecimentos, é preciso informar a população de que vai abrir a economia, mas isso não implica que o país está fora do risco de covid-19. É preciso esclarecer que vai reabrir com função pura e simplesmente econômica, para prevenir a perda de empregos e o fechamento de empresas.
 
E como as pessoas devem agir sabendo que a reabertura teve base econômica?
É uma grande guerra informacional, e as informações devem ser dadas com a maior precisão possível. A decisão de sair para a rua deve ser pessoal, levando em consideração os riscos e os benefícios, que só podem ser calculados com informações precisas. Seria interessante um sistema para mostrar onde estão os principais focos de contágio da doença, quais comunidades têm pouca ou muita incidência. Podemos aprender com a China e com a Coreia do Sul em termos de uniformidade e precisão nas informações públicas sobre os riscos e os benefícios. Isso a gente não tem no Brasil, mas também não tem na Suécia, por exemplo.
 
O que esperar do novo normal? Que aprendizados ficarão?
Toda vez que surge uma crise, aparecem grandes oportunidades. No mercado imobiliário, as pessoas buscarão morar mais em casa do que em apartamento, diminuindo a concentração urbana. O grande legado é tornar a produção de bens e serviços mais eficiente com atuação remota. Empresas tiveram de adotar o home office e pensam em permanecer nele, pois é mais barato, você precisa de menos espaço…. As pessoas são forçadas a produzir e a contratar de maneira diferente, o que modifica as estruturas tradicionais das empresas. Há uma tendência de tornar mais flexíveis os contratos de emprego, algo benéfico para a sociedade. Lei trabalhista muito forte é muito boa para quem está empregado. Para a economia, em geral, não é bom, pois aumenta o desemprego e dificulta as contratações.
 
Como o senhor se sentiu ao ser reconhecido com um dos melhores economistas do mundo?
O maior reconhecimento, para mim, é conseguir publicar trabalhos acadêmicos em grandes jornais de pesquisa. Outros reconhecimentos são muito importantes, mas têm menor impacto na carreira acadêmica. Para mim, entrar nessa lista foi espetacular, gostei bastante, isso me ajuda na carreira acadêmica, porque chama a atenção de outros pesquisadores que se interessam pela pesquisa que estou fazendo.
 
Como senhor começou a investigar a primeira infância?
Uma das maiores questões estudadas na parte de leis econômicas, economia do trabalho e microeconomia é o aumento do capital humano, você estuda como riqueza é gerada. E o capital humano é a quantidade de conhecimento que você tem de ter para gerar atividade econômica. Na evolução do capital humano, analisando o retorno do investimento no ensino superior, percebe-se mais ganho para pessoas que já têm maior capacidade cognitiva e não cognitiva. Se você fizer um curso muito complexo, por exemplo, sobre inteligência artificial, é interessante dar esse investimento para as pessoas mais interessadas e mais inteligentes. Economicamente faz sentido, mas em termos de diminuir desigualdades, não, porque você aumenta desigualdades na população. A educação infantil é um dos poucos investimentos em capital humano em que é mais eficiente investir nas crianças em risco, nas pessoas economicamente mais desprivilegiadas. E é um dos poucos tipos de investimento em capital humano que reduz a desigualdade da população. Tem grande impacto não só em termos de emprego e renda, mas, também, na redução da criminalidade e de problemas de saúde no futuro.

Quando o investimento no ensino superior exatamente vale a pena?
Seria preciso ver o efeito causal da universidade na renda, que é quanto mais de renda a pessoa que vai para a universidade tem em relação a quem não foi. Mas não tem como fazer essa comparação porque quem foi é diferente de quem não foi. Ao comparar, você vê não só o efeito da universidade em si, mas também as caraterísticas das pessoas que foram e não foram para a universidade. Isso se chama viés de seleção. Muitos políticos observam que, quem vai para a universidade, ganha mais do que quem não vai. Isso gera a tendência de achar que a solução para a sociedade é simplesmente botar mais gente na universidade. No entanto, não é o caso: escolher pessoas para dar universidade de graça para elas não vai gerar a mesma renda que quem já iria para a universidade de todo modo vai ter.
 
Que conselho senhor daria para jovens que estão escolhendo a carreira?
Se você pegar cursos como antropologia e sociologia, é difícil achar vagas no mercado de trabalho. Não tem demanda. Todo mundo vê quanto ganha um popular jogador de futebol. Mas, poucos veem a vida de miséria que leva a maioria dos que vão ser jogadores de futebol. Se você for escolher uma carreira na vida, não escolha ser jogador de futebol. Na média, os jogadores de futebol ganham salário de fome. Na média, artista ganha pouco dinheiro… Quando eu era mais jovem, eu perguntava para as pessoas mais velhas que conselho me dariam. Era comum ouvir: “você tem de escolher uma carreira de que goste”. Esse é um péssimo conselho para a vida. O que você gosta tem grande tendência de ter alta oferta e baixa demanda. Escolha uma carreira com demanda alta e extremamente estável. Um exemplo: medicina, engenharia da computação… Aptidão você constrói com o tempo. O meu conselho não é faça o que gosta. É aprenda a gostar daquilo que é interessante você gostar. Não tente só aprender aquele assunto. Tente aprender a gostar daquele assunto.